Este conto, a publicar no 4º volume de Contos de Amor e Drama (já estão publicados dois volumes), respeita a uma passagem da primeira versão do livro "O Padre Costa de Trancoso", que retirei (assim como outras), para dar à obra uma versão mais "soft" da vida aventurosa do sacerdote que fez gerar 299 filhos em 53 mulheres. Procurei, mesmo assim, deixar uma leitura suave, para todas as idades, dando vazão à imaginação e ao enquadramento da figura entre a lenda e a realidade.
Por isso, apenas reproduzo a seguir a primeira das sete páginas deste conto (o mais pequeno entre todos os que estão neste volume e escrito sob o famigerado Novo Acordo Ortográfico).
Manhã cedo, nesse dia de junho de 1468, quando o padre
Costa de Trancoso penetrou na igreja, encontrou a lamparina de azeite que
alumiava a Virgem tombada no chão da laje e o seu conteúdo derramado. Quedou
imóvel por um instante, olhando fixamente para os estragos. Alguém tinha
deixado uma porta aberta e provavelmente um gato tinha ido lamber o azeite da
lamparina. De resto, não parecia existir o argumento do roubo, pois o azeite
encontrava-se derramado e desperdiçado no chão.
E por aí parou com as suas suspeitas, decidido a
mandar repor a lamparina acesa, quando um homem do povo entrou no templo e se
acercou dele. O padre reconheceu o recém-chegado como sendo Fernão Pardo, o
alquilador, alugador de bestas de carga, que se encarregava da venda dos burros
na feira. Era conhecido por muitos hábitos, uns bons e outros maus, sendo que
um dos piores era a sua coscuvilhice e propensa esdrúxula para a mentira.
— Vossa Reverência sabe o que se passou aqui na
igreja?— inquiriu, retorcendo o barrete nas mãos.
— Não.
— Pois então eu digo. O caso é muito sério. Eu vi com
estes que a terra há de comer, por mal dos meus pecados; antes não tivesse
visto.
— E o que viste, homem?
— Pois eu vi e sei quem foi. Não sei o nome, mas sei
quem foi.
A ideia de saber quem tinha derrubado a lamparina do
azeite – e decerto seria disso que o labrego ia falar – deixou o padre à beira
de descobrir o mistério.
— E sabes quem foi que derrubou a lamparina do
azeite?— inquiriu. — Dize!
— Que lamparina de azeite? Eu não sei nada sobre a
lamparina!...
— Ó miserável sandeu! Por que me hás de enganar?
— Não vos enganei— exclamou confrangido o pobre homem.
— Dizem-me que és um mentiroso e um maldizente, mas
não vou tolerar que me venhas para aqui com patranhas.
— Saiba Vossa Reverência que não vos conto patranhas
nem mentiras. Eu vi quem roubou o Menino.
Ao mesmo tempo que dizia isto, apontava para a imagem
da Virgem. O padre Costa seguiu a indicação e, de facto, reparou, com estupefação,
que a imagem do Filho da Virgem não se encontrava no seu regaço, como sempre lá
esteve desde que ele se lembrava.
O alquilador prosseguiu contando que tinha visto uma
mulher entrar na igreja e aproximar-se do altar da Virgem e a vira sair com um
volume no regaço. Perguntou-lhe se levava ali alguma coisa tirada do sagrado
templo, e ela negou, abrindo um pouco a véstia para que ele visse um toro de
couve. O padre quis saber o nome da mulher e o alquilador prometeu-lhe
averiguar, pois sabia onde ela morava, mas não a sua graça e quem era.
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