IBA. Mais uma entrada que não se justificaria neste tratado,
porquanto “ainda” não foi proposto pelo centro de estudos fiscais um imposto
que tribute as manifestações e práticas a título oneroso por parte das bruxas,
feiticeiras, quiromantes e fauna vária. Até porque a sigla, que causa certa
homofonia com outro avatar pronunciado à moda do Porto, como é o IVA, que já
tributa – e bem – as transacções em todas as suas fases, desde a nascente até à
foz, causa algumas sensações de comichão económica.
IBA seria suposto tributar rendimentos obtidos nas
práticas, significando imposto sobre bruxarias aplicadas.
IDENTIFICAÇÃO. Apesar de a Inquisição ter dado baixa da actividade
há muito tempo, o certo é que as bruxas continuam a viver numa quase
clandestinidade. Para as reconhecer, caso alguma delas entre na casa de alguém
– e a dona ou o dono da casa quiserem ter a certeza de que a visita pertence à
estirpe - deverá esconder uma vassoura atrás da porta, virada ao contrário. A
bruxa não conseguirá sair.
O mesmo efeito parece obter a pataqueira versão de um
banco virado de pernas para o ar.
Com a mesma eficácia, uma navalha espetada na sombra
da bruxa, fará com que esta fique tão imóvel como a estátua do Marquês de
Pombal na sua rotunda.
Em tempos idos, para se determinar se uma mulher era
ou não bruxa, atava-se de pés e mãos e deitava-se num lago de águas fundas: se
mergulhasse, era bruxa; se flutuasse, não era. É claro que nem me vou dar ao
despropósito de insultar a inteligência dos leitores ao dizer para que lado
pendia a percentagem do sim e do não.
Quando virem uma amazona montada ao contrário… pimba!
É bruxa. E se encontrarem numa encruzilhada uma porca com leitões de cor
escura, aí vai uma bruxa disfarçada. Convém, neste caso, não a confundir com a
“porca” da política, reconhecida já pelo finado Rafael Bordalo Pinheiro e
disfarçada com outros adereços mais subtis, designadamente os leitões que a
seguem, sempre ávidos da teta e malas Louis Vitton.
Na heráldica, nada se encontra sobre bruxas. Nada
mesmo. Se houvesse, talvez estivesse assim esculpido em brasão: escudo lavrado
em campo de preto e esquartelado de caveiras com a dentição completa, sapos ou
outros motivos atinentes, tudo em campo polvilhado com pós de perlimpimpim. Em
chefe, uma vassoura ou uma varinha mágica (sem ser das de passar o cozinhado),
consoante a casta.
De qualquer forma, sem menção do registo da actividade,
não consta que a profissão das ditas possa vir a constar no Código das
Actividades Económicas ou na lista das profissões liberais anexa ao código do
IRS. Logo, sem cartão profissional, sem descontos para a Caixa de Previdência,
sem impostos retidos na fonte e outras alcavalas que levariam mais de cinquenta
por cento dos seus rendimentos mensais. Poderão descontar por outros “hobbies”
que tenham em concomitância, como será alguma colocação em organismo público ou
privado.
Como é de direito, será certo que terão bilhete de identidade
ou cartão de cidadão, cartão de crédito, cartão do “Continente” e número de
contribuinte. Mas isso toda a gente tem!
IMPOSTOS. Se já não escrevi isto atrás, é porque vai ser escrito
adiante ou, para não reler o escrito, deve ter sido referido antes e depois
desta entrada que fala dos impostos e a sua relação com as bruxas.
Escusado será dizer que na Idade Médio, a alta e a
baixa, bem como nos períodos que se seguiram, mormente com a Inquisição, as
bruxas pagavam os impostos após a morte: todos os seus bens eram confiscados. E
os herdeiros, mesmo assim, ainda pagariam a “lutuosa” ao senhorio ou ao rei,
imposto que se calculava segundo os bens do defunto.
No entanto, tenho de dizer que as bruxas não tinham impostos
especiais pela actividade, que era naturalmente considerada prática criminosa e
contrária aos ensinamentos religiosos. O único imposto que indirectamente estariam
sujeitas era a “baluga”, curioso tributo fixado generalizadamente em três
arráteis e meio de cera ou quatro soldos, pela alcavala com o nome de “ossas”,
se enviuvassem e pretendessem casar de novo. Emendo: havia um outro que
certamente lhes cobrariam, que era a “talha”, pois deste imposto ninguém se
livrava… E era cada talhada! Tratava-se de uma contribuição extraordinária –
como há hoje tantas para acorrer aos mesmos efeitos – cobrada aos que tinham,
aos que não tinham e aos que fingiam não ter, para suprir falhas do erário
régio quando qualquer acontecimento originava falha de dinheiro superior às
necessidades. Livravam-se da teia as que escondiam o “pilim” na enxerga de
palha ou as que se prevenissem com uma “offshore” recambiada por qualquer coisa
semelhante aos Mossack & Fonseca do Panamá.
As bruxas de hoje, livres da infeliz cobrança “post
mortem”, não se livram do leque de tributos do espectro fiscal. Basta lembrar
que um simples instrumento de trabalho, como a bolinha de cristal, vem
facturada com vinte e três por cento de IVA. E, mesmo que a sua actividade
fosse enquadrada no regime ilícito, lá está o código do IRS que, logo no
articulado a abrir engloba todos os rendimentos, “mesmo quando provenientes de
actos ilícitos”.
INQUISIÇÃO. Como sabem, esta dita tinha tribunais a funcionar tal
qual o novo mapa judiciário português, com a ressalva de que, comparados com os
actuais meios de justiça seculares, eram muito mais laboriosos, não tinham
férias judiciais e os processos decorriam com mais celeridade até ao trânsito
em julgado.
Esta “piedosa” instituição justiceira não se coibia de
purificar as julgadas bruxas e feiticeiras numa purificadora fogueira.
Costumavam castigar pelo fogo quando actualmente se deixa em liberdade quem o
ateia.
Como sinais exteriores da profissão, a posse de um gato
preto era evidência da fatal sina. Por essa razão, os bicharocos eram também
ferozmente perseguidos, tanto mais que muita gentinha via neles uma bruxa
metamorfoseada. A coisa deve ter chegado aos nossos dias e, para não deixar
morrer a tradição, ainda se leva à cena em Vila Flor a queima do “gato vivo”.
Fácil será calcular que muita gente (e muito felino)
morreu injustiçada, vítima de perjúrios, falsos testemunhos e quebra do segredo
de justiça.
Sem a Inquisição, o povo passou a julgar à sua maneira,
como é costume saber-se através dos entrevistados populares pela televisão
sobre casos ainda não julgados. Mas não é só de agora!...
Em Oliveira de Soalhães (Marco de Canaveses), corria o
ano da Constituição de 1933, quando os habitantes queimaram uma pobre chamada
Arminda de Jesus, só porque acreditavam que ela “tinha o diabo no corpo”. Ainda
bem que a tradição, neste caso, não pegou, pois com “o diabo no corpo” há para
aí muita gentinha…
Se a Inquisição reaparecesse – batam três vezes no madeiro
– com a proliferação das novas bruxas, feiticeiras, benzedeiras e
adivinhadeiras, decerto decretaria o estado de sítio e colocaria os tanques na
rua.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.