Do terceiro volume dos meus "Contos de Amor e Drama" extraí a primeira página de um dos contos aí publicados, que reproduzo a seguir. Trata-se de um conto publicado numa revista, há uns bons anitos, e gira à volta de um velho escocês excêntrico, cujo enredo e, principalmente o final, tem muito de imprevisto.
(Não estranhem estar a coisa pelo actual acordo ortográfico, pois correspondi apenas à lei; coisa que não faço neste blog).
Terminada a cerimónia do casamento na pequena igreja,
Lígia passou os braços em torno do pescoço de Dário e ofereceu-lhe a boca,
húmida de desejo. Quando os lábios de ambos se tocaram, o recém-casado recebeu
uma sensação de fogo, ao mesmo tempo que sentia, contra o seu, o corpo da
desposada. Ainda se beijavam quando o padrinho dele se aproximou, privando-os
da intimidade com um ligeiro pigarrear.
— Oh... Desculpem — disse. — Conforme prometi, é
chegada a altura para vos revelar onde será a lua de mel misteriosa.
Ambos balançaram a cabeça. O padrinho tinha-lhes
prometido o pagamento integral das despesas com a lua de mel, reservando-se apenas
a guarda do mistério até ao dia do casamento. Finalmente, ia desvendá-lo.
— O Dário sempre mostrou interesse por castelos. Vai daí
deitar-me a pensar: que tal oferecer-lhe a lua de mel num autêntico e antigo
castelo da Escócia?
Lígia soltou um gritinho de satisfação e Dário abriu a
boca num sorriso grato.
— Trata-se de um bonito e imponente castelo do século
XIV — continuou o padrinho — autêntico baluarte situado junto a uma falésia de
Mull, na sombria ilha das Hébridas. É um castelo típico da Escócia, rodeado por
uma paisagem maravilhosa, repleto de armaduras, brasões e história, pois foi
destruído e construído uma meia dúzia de vezes. Eis a concretização da oferta
que vos faço com agrado. Tem apenas um senão...
— Como o quê, por exemplo? — estranhou Dário.
— O proprietário é um velho amigo chamado Gregory MacLean,
que me deve alguns favores e com quem tenho negócios relacionados com os
lanifícios de tweed. No entanto,
trata-se de um velho excêntrico, que não gosta de ser contrariado e que não
nutre especial simpatia por médicos.
— É o ideal para meu anfitrião — sorriu o afilhado. —
Sou médico.
— Isso pouco importará, pois sei que ele vai receber-vos
condignamente, conforme combinámos. Porém, não o contradigas em nada, nem andes
por lá a meter os pés pelas mãos.
Três dias depois, Gregory recebeu os convidados com o
ar de condescendência dum aristocrata que estava habituado a ser obedecido e a
não saber o que é obedecer. Trajava a saia com as cores do seu clã e meias
brancas até ao joelho. Uma bengala de mogno parecia ser o símbolo da sua
autoridade.
— Sei muito bem qual é a sua profissão — começou
MacLean por dizer, após as apresentações — embora isso não interfira nas nossas
amistosas relações, desde que não queira interferir na minha saúde, aliás precária.
E há uma outra condição...
— Condição?!
— Sim. Tem a ver com a pessoa que me vem frequentemente
tratar: atua como médico, mas não é licenciado em Medicina.
— Não tenho nada a intrometer-me nesse particular, sir, muito embora estranhe essa atitude.
— Não estranhe. Por exemplo, Pasteur não era médico e
conseguiu o tratamento para a raiva, o qual só pôde administrar na condição de
ser ajudado por médicos, para não ser processado e preso.