Este conto faz parte do 2º volume dos "Contos de Amor e Drama", já editado. Começa assim (o final é imprevisto):
O senhor morgado de Monrelvado sentiu, certo dia,
grande paixão por uma moça de lavoura, de família humilde. Desde essa altura, e
a acreditar nas vozes do povo, "não comeram os seus olhos outras
sopas".
D. Ramiro era descendente de uma família originária de
Espanha, que teve o seu solar nas montanhas de Santander e que passou a
Portugal em 1559 pelo casamento de um dos seus ramos com Inês Bordoejo de Pina,
senhora de honras e padroados. Deste casamento nasceu o seu mais ilustre
representante, um tal Martim Eanes Bordoejo de Pina e Zabro, a quem o rei
coutou uma valente herdade no Norte do País, embora fosse vergonhosa e pouco digna
a atitude daquele nobre na crise de 1580 e durante o domínio espanhol.
D. Ramiro de Pina e Zabro, o nosso morgado, era, por
assim dizer, o último representante da estirpe, decadente em privilégios nobres
e em título, ninharias que nada valiam para o seu sustento. Tinha, em
contrapartida, bastantes bens de raiz em propriedades rústicas, que davam uma
renda valiosa e que constituíam fonte de receita na venda em retalhos a
emigrantes e novos ricos.
No velho solar também ostentava o seu brasão, impresso
igualmente no armorial com a cor de prata no escudo, um leão rampante de ouro e
um monte escarpado de sua cor; como timbre, o mesmo monte vulcânico saindo-lhe
da boca um ramo de pinheiro verde. Daí o povo designar o morgadio como do
Monrelvado com o significado de monte relvado.
A verdade é que D. Ramiro já tinha a sua conta de
anos, perdidos naquelas brenhas da serra, sem um amigo, sem outro alguém que
tivesse interesse pela sua sorte; pior, sem herdeiro que o continuasse e perpetuasse
a estirpe.
Como quer que fosse, não se podia subtrair a nova paixão,
mesmo que esta se encontrasse — como se encontrava — no círculo plebeu de um
seu rendeiro.
— Mulher bonita nunca é pobre — filosofava satisfeito
o apaixonado.
Como era homem reservado, o morgado chamou o seu
caseiro Joaquim para o encarregar da incumbência nupcial. Recomendou a este
moderação na tarefa, bom trato de língua, ausência de espalhafatos e nenhum
alarde. Vestiu o homem com fato de corte inglês, engravatou-lhe os colarinhos
da camisa e despachou-o para a missão.
— Tem bom gosto, o velhadas! — apreciou depois o
caseiro, no café, com um grupo de amigos.
— Aquilo é olho de cigano. Para ser sincero, não dou
fé, ao redor, de perna ou anca que se compare à da Beatriz.
— E aquela cara, oh Joaquim!
— E aquela cara! — concordou apreciativamente um dos
amigos.
— Para mim, o melhor dela ainda são os peitos — dizia
outro, oscilando as mãos, em concha, para baixo e para cima.
— São tal e qual os daquela loura de cabelo curtinho
que era casada com o Stallone.
— Mal empregadinha para este enxalmo.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.