EMBRIAGUEZ. Já escrevi atrás – e se não escrevi, faço-o agora –
que as bruxas apanham pifos daquele tamanho quando participam nos festejos com
o seu patrono. É, como se costuma dizer, de caixão à cova!
Mesmo assim, saem a acelerar com as varinhas, entram
em derrapagem nos ares como qualquer jacto F-16 e não têm à sua espera as brigadas
com o famigerado balão. Mesmo que as autoridades aí chegassem, com o seu poder
de condão, transformariam o balão do álcool num mísero sapo ou numa enguia
viscosa. E, por falar em enguias, há quem jure pôr termo à embriaguez, maxime aos
seus sintomas, mergulhando uma enguia na bebida.
Cá para mim, esta receita só resulta se o embriagado
der conta da manobra, cessando a sua vontade de beber; pelo menos, de beber
onde a enguia mergulha.
Parece que os antigos franceses (mais propriamente os
galeses contemporâneos de Astérix e Obélix, que bebiam à farta), tinham o método
de curar a bebedeira comendo pulmões assados de porco.
Nos tempos de hoje há as receitas pataqueiras de beber
café, mastigar grãos dos ditos, injecções de glicose e duche frio, ou ainda
morder o pneu da roda traseira de um carro policial, para atenuar ou eliminar o
porre (como dizem no Brasil). Possivelmente, uma outra receita com resultados
mais práticos é a de contemplar, durante um minuto e sem piscar os olhos, uma fotografia
do elenco governativo nas escadinhas do palacete de S. Bento.
ENDOR. Trata-se de uma aldeia bíblica com esse nome, situada
no Vale de Jizreel, onde vivia uma bruxa, que passou
a ser conhecida por Bruxa de Endor. Pode ler-se no Antigo Testamento (1 Samuel
28:7-25), que regista tratar-se de uma necromante que foi consultada pelo rei
Saul quando este pretendia comunicar com o espírito de Samuel. A bruxa
informou, supostamente através do espírito de Samuel, aquilo que ele já havia
predestinado em vida, acrescentando porém que Saul iria morrer no dia seguinte.
Embora não morresse no dia seguinte, faleceu passados três dias.
Segundo Orígenes, a voz de Samuel era, de facto, da própria
bruxa, que possuía o dom da ventriloquia.
Na ficção, o nome da bruxa não conta para nada, pois
ficou conhecido o lugar onde vivia. Assim, Endor é a designação da Terra Média
em “O Senhor dos Anéis” e na série de televisão “Casei com uma Feiticeira”, a
mãe da bruxa casada, e que faz e acontece ao genro, chama-se Endora. Também na
saga “Star Wars”, há um satélite que dá pelo nome de Endor.
Andor (e não Endor) também é uma palavra cabalística
quando pronunciada com ênfase dirigida ao governo pela boca da oposição.
ENGUIÇO. O enguiço é sinónimo de quebranto e resulta de um mau-olhado ou de
bruxaria. Infelizmente, para os enguiçados, não se resolve com doses de penicilina,
nem se avalia com ressonâncias magnéticas sob receita do médico de família.
Ninguém se admire, pois, que o enguiço está em Portugal
a passar férias: no Algarve, a banhos; na Serra da Estrela no bate-cu da neve; no Centro Cultural de Belém a contemplar a arte e
no Parlamento quando precisa de tirar uma soneca. Move-se numa “geringonça” licenciada pelo IMTT e pela Troika.
Como enviar o enguiço para além das fronteiras de
Schengen? (Para quem não saiba, Schengen é uma localidade luxemburguesa situada
nas margens do rio Mosela e não uma cidade da China, como o próprio nome parece
indicar). Não sei, é a resposta. Se o soubesse, espantaria o que me atormenta.
A convenção da arte do feitiço recomenda a consulta a
outra bruxa ou feiticeira diferente da agente causadora do malefício, na
esperança de que tenha poder para desenguiçar o paciente. É interessante
especular relativamente à forma como a dicotomia bem e mal se encontra sob o
poder das bruxas.
Consoante a clientela e o pedido, assim determinam,
umas e outras, a borrasca e o bom tempo, tal como a roda dos advogados que ora
acusam, ora defendem. É evidente que, em ambos os casos, com facturação e sem
IVA incluído.
ERVA-MOURA. Trata-se de uma planta de mau agouro e, ainda por
cima, tóxica, utilizada nas poções das bruxas. No Brasil chamam-na mata-cavalo,
pimenta de rato ou aguaraquiá, mas o problema dela não está na designação. Parece
que era utilizada contra os espíritos malignos, cobranças fiscais e das dívidas
através do Pepex (sendo que este último também se afigura um preparado do
caldeirão).
Avisa-se que as poções só devem ser feitas por profissionais
e não devem ser tentadas em casa, mesmo que se possuam os ingredientes de
sodalita, turmalita, ametista, pêlos púbicos de Belzebú ou ainda pêlos da cauda
de touro saído vivo da arena de Barrancos.
ESCRITA. Tal como a linguagem dos contrabandistas quadrasenhos
(Sabugal), não entendida pelos leigos e estranhos ao círculo da candonga, a
escrita dos bruxos e bruxas também não podia ser lida por qualquer letrado.
Talvez o único que lhe ferrasse dente era o tal Jean-François Champollion,
aquele que conseguiu ler naquelas cobras, olhos e passarada da Pedra de Roseta.
Mas ele não se dedicou a isso e nenhum editor lhe encomendou o trabalho de
tradução.
Pois bem, a escrita do bruxedo rege-se pelo alfabeto
tebano e não consta que tenha sido alterada pelo acordo ortográfico de 1990.
Tal alfabeto, a que se refere Cornellius Agrippa tem origem, como o seu nome
indica, na cidade de Tebas e é semelhante ao alfabeto etrusco, que não facilita
nada. Certas obras de Lobo Antunes e de outros congéneres teriam o mesmo efeito
se fossem escritas segundo aqueles abecedários.
ESPELHOS.
Um dos contos recolhidos pelos irmãos Grimm fala da
rainha má e da sua enteada, a Branca de Neve. Certamente as visitas da rainha
ao seu espelho, as perguntas que invariavelmente lhe fazia, todos as sabem:
“Espelho, espelho meu, existe no mundo alguém mais bela do que eu?”
Também não é sinal de sorte ter um espelho partido em
casa.
Este espelho da rainha má é agora utilizado pelos governantes,
os quais, à socapa, se dirigem ao dito e questionam também com a mesma
desfaçatez e despudor: “Espelho meu, espelho meu, existe em Portugal quem governe
melhor do que eu?”
Não se sabe quais as respostas do espelho, mas pelos vidraceiros
que recolocam os que são partidos na Rua Gomes Teixeira, verifica-se que os esclarecimentos
não agradam nada.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.