sexta-feira, 11 de março de 2016

ENCICLOPÉDIAS ALEGRES (2) - IMPOSTOS


O Fossado devia ser o mais exótico dos impostos, se fosse aplicado aos proprietários e produtores de porcos bísaros, pata negra ou malhados de Alcobaça. Mas não. Quem fossava para este imposto não eram os suínos, que já os havia em larga escala, mas os trabalhadores da gleba, através da sua mão de obra para serviços de construção de castelos ou fortificações militares, bem como o serviço militar a que estavam obrigados os cavaleiros vilãos e peões.
Era, como se compreende, um imposto em espécie, e não em alheiras com botulismo, sendo a espécie o trabalho e a prestação de serviços, que sobrecarregava aqueles que acusavam níveis baixos de testosterona.
E quem se escusasse ao fossado? Tal como hoje – e sempre – teria uma multa ou coima a bater-lhe à porta, que se chamava fossadeira e não era mais suave do que as suas congéneres de hoje.
Mais tarde, este encargo passou a ser remido a dinheiro, uma vez que o valor é semelhante para todos os sujeitos passivos. Digo isto porque, sendo um imposto generalizado, por efeitos de contágio, alguns sornas e menos trabalhadores contribuíam com uma fatia menor, o que não era justo.
Se atentarmos que, embora comunitário, o trabalho era de graça, é evidente que se tratava de um imposto. Diz um ditado que quem trabalha de graça é o relógio, e mesmo assim é porque lhe dão corda e não faz força.
Fossadeira, de início, era a multa que tinham de pagar os que faltavam ao fossado, todavia com o passar do tempo transformou-se num tributo, em géneros ou dinheiro, que remia a prestação desse dever militar, principalmente em tempos de austeridade imposta pela troika: Almançores, Filipes e Napoleões. Não admira, pois, que existissem fossados de nível 1 e nível 2, e ainda aqueles sem nível algum.
A antiga fossadeira, como multa e sem arganel porcino, é tão velha e relha quanto as primeiras expedições militares cristãs da Reconquista. Com a consolidação do domínio cristão na Península, a participação dos vilãos nas expedições militares em território muçulmano foi-se tornando menos frequente, e a fossadeira, em vez de se extinguir como seria de esperar, converteu-se num tributo fixo, perdendo o seu originário carácter de multa, o que veio dar ao mesmo.
Com a passagem dos tempos o vocábulo entrou na gíria popular daquele que trabalha e ouve-se, por vezes, em jeito de desabafo: “passo o dia a fossar e não vejo ganho algum”. Parte desse “fossado” fica em retenção na fonte, designativo apropriado que parece ter saído de um romance de Camilo, no tempo em que ele descrevia as moças casadouras que iam à fonte com as bilhas de barro. Retenção na fonte não é, pois, a retenção das fonteiras, junto à bica ou chafurdo, pelo namorado. Não é. Enquanto estas fontes camilianas secavam pelo menos no pino no verão, estas, que aqui referimos, nunca secam. 

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