O Fossado devia ser o mais exótico dos impostos, se
fosse aplicado aos proprietários e produtores de porcos bísaros, pata negra ou
malhados de Alcobaça. Mas não. Quem fossava para este imposto não eram os
suínos, que já os havia em larga escala, mas os trabalhadores da gleba, através
da sua mão de obra para serviços de construção de castelos ou fortificações
militares, bem como o serviço militar a que estavam obrigados os cavaleiros
vilãos e peões.
Era, como se compreende, um imposto em espécie, e não
em alheiras com botulismo, sendo a espécie o trabalho e a prestação de
serviços, que sobrecarregava aqueles que acusavam níveis baixos de
testosterona.
E quem se escusasse ao fossado? Tal como hoje – e
sempre – teria uma multa ou coima a bater-lhe à porta, que se chamava fossadeira
e não era mais suave do que as suas congéneres de hoje.
Mais tarde, este encargo passou a ser remido a dinheiro,
uma vez que o valor é semelhante para todos os sujeitos passivos. Digo isto
porque, sendo um imposto generalizado, por efeitos de contágio, alguns sornas e
menos trabalhadores contribuíam com uma fatia menor, o que não era justo.
Se atentarmos que, embora comunitário, o trabalho era
de graça, é evidente que se tratava de um imposto. Diz um ditado que quem
trabalha de graça é o relógio, e mesmo assim é porque lhe dão corda e não faz
força.
Fossadeira, de início, era a multa que tinham de pagar
os que faltavam ao fossado, todavia com o passar do tempo transformou-se num
tributo, em géneros ou dinheiro, que remia a prestação desse dever militar,
principalmente em tempos de austeridade imposta pela troika: Almançores,
Filipes e Napoleões. Não admira, pois, que existissem fossados de nível 1 e
nível 2, e ainda aqueles sem nível algum.
A antiga fossadeira, como multa e sem arganel porcino,
é tão velha e relha quanto as primeiras expedições militares cristãs da
Reconquista. Com a consolidação do domínio cristão na Península, a participação
dos vilãos nas expedições militares em território muçulmano foi-se tornando
menos frequente, e a fossadeira, em vez de se extinguir como seria de esperar,
converteu-se num tributo fixo, perdendo o seu originário carácter de multa, o
que veio dar ao mesmo.
Com a passagem dos tempos o vocábulo entrou na gíria
popular daquele que trabalha e ouve-se, por vezes, em jeito de desabafo: “passo
o dia a fossar e não vejo ganho algum”. Parte desse “fossado” fica em retenção
na fonte, designativo apropriado que parece
ter saído de um romance de Camilo, no tempo em que ele descrevia as moças
casadouras que iam à fonte com as bilhas de barro. Retenção na fonte não é,
pois, a retenção das fonteiras, junto à bica ou chafurdo, pelo namorado. Não é.
Enquanto estas fontes camilianas secavam pelo menos no pino no verão, estas,
que aqui referimos, nunca secam.
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