GALINHAS. Alterando um pouco o aforismo que provém de uma
adivinha popular, a minha questão é esta, para alguém responder sem passar este
parágrafo: o que é que as bruxas fazem diferente das galinhas quando se agacham?
A resposta é simples: as bruxas dobram os joelhos para
a frente e as galinhas para trás.
Com ou sem joelhos nas galinhas, acreditava-se que uma
galinha a cantar como um galo era prenúncio de adversidades para os donos, pelo
que devia ser dada, de preferência vendida, e o dinheiro usado para gaspear os sapatos.
Quem comprasse a galinha devia comer uma refeição atrás da porta, evitando que
a galinha engrossasse o canto e imitasse o macho, renovando o ciclo.
GALOS. Os galos têm uma magia especial para o mundo da
superstição. Não é suspeito que façam fugir uma bruxa, mas é popularmente
corrente que fazem fugir o diabo, principalmente se forem de cor preta: os
galos pretos romanos.
Se pescarmos a Lenda dos Galhardos, que até dá o nome
a uma calçada na Serra da Estrela, nela se diz que esse nome é atribuído aos
demónios, pelo facto de terem na testa dois galhos ou chifres. Diz-se que os
ditos Galhardos deitaram mãos à obra para construírem a via numa só noite, incluindo
nela uma área de serviço e duas faixas de rodagem, mas era-lhes imposta a condição
de a terminarem antes do cantar do galo. Se o galo cantasse, o trabalho e a empreitada
acabaria logo ali.
A calçada ainda não estava terminada quando o galo
cantou. Um dos diabos, que queria dar por finda a tarefa, disse: “Vamo-nos, já
cantou o galo.” E outro, que a pretendia terminar, retrocou: “Foi o galo
pardo”. O primeiro insistiu: “Não, foi o galo preto romano.”
Mal foi identificado o galo cantante, todos largaram o
trabalho e desataram a fugir para o lugar de onde tinham vindo. Por isso, a
calçada parece estar incompleta. Quanto à simbologia do galo espanta-diabos
encontra-se no alto das torres de muitos templos, como cata-vento.
Se já repararam, o galo de Barcelos é negro, se bem
que colorido quanto baste com uns vermelhos e amarelos e umas pintinhas
brancas, se excluirmos o vermelho garrido da crista e dos gorgomilos.
As bruxas, para além de não os temerem, até os comem,
preparados no género Coc Au Vin (Galo ao Vinho) ou até capões à Freamunde,
servidos com farófia, salpicão e presunto.
GATOS. Um gato preto é semelhante a outro gato qualquer, à
excepção da cor. Gosta que lhe passem a mão pelo lombo, adora perseguir ratos e
lambe-se com as rações apropriadas para a espécie. No entanto, parece que a
apetência das bruxas é semelhante à de Henry Ford quando dispôs o seu modelo T
aos clientes: podem escolher qualquer cor, desde que seja preto.
Há notícia, não oficialmente confirmada, de que uma
bruxa ao ser queimada transformou-se num gato preto. Ter-se-á transformado num
tição preto, do tamanho de um gato, teria sido esse o erro de visão? Assim, com
essas mirabolantes visões e interpretações, como aquela que assegurava que as
bruxas durante a noite se transformavam em gatos pretos, fez com que fossem
perseguidos estes animais de cor escura. Para contradizer esta chacina ignóbil,
alguém introduziu a superstição na qual gatos pretos trazem felicidade, mas não
se devem matar, pois dá azar e sete anos de atraso ou menos sete anos de vida
para quem o fizer.
Para que os gatos não fujam da casa dos donos, untam-lhes
as patas com azeite quando são pequenos.
GOYA. De seu nome complete Francisco José de Goya e
Lucientes, foi um pintor espanhol (1746-1828) que muito bem retratou em
quadros, águas fortes e esboços impregnados de cores escuras e macabras, as
bruxas e o diabo, este último representado como um bode de enormes chifres, tão
grandes que nos causa estranheza como é que ele passava as portas do inferno
com aquela armação!
Uma das obras do pintor que deixou na série Quinta del Sordo e Caprichos, é conhecida por El Aquelarre
(vocábulo basco que significa bode do campo).
Esta pintura foi feita para a sua casa na Quinta del Sordo e é também conhecida
por El Gran Cabrón.
Nas telas não faltam criancinhas nas mãos das endemoninhadas
criaturas, a dar razão à superstição popular e ao facto de o próprio pintor ter
sido apanhado, não pera Operação Lava Jato ou pela Operação Marquês, mas pela adversidade
– de vinte filhos que sua esposa Josefa Bayeu deitou ao mundo, só um sobreviveu.
GRAVIDEZ. Esta serve como receita: a mulher que vai dar à luz
deve espetar um prego no chão, evitando, deste modo, que as bruxas “entrem” com
o recém-nascido. Porém, se a criança já chorou três vezes no ventre materno,
nem esta precaução lhe valerá.
Só vejo um senão nesta prática, uma vez que a maior
parte das grávidas vai dar à luz nas maternidades: como é que elas irão
justificar às enfermeiras o pedido de um prego e um martelo?
GUARDANAPOS.
Já toda esta gentinha, que tem pachorra
para ler esta enciclopédia, sabe que no final das refeições, o pessoal convidado
ou não convidado, tem a mania de dobrar o guardanapo: uns preferem deixá-lo
como uma rodilha; outros tentando reproduzir a forma de um triângulo equilátero;
ainda outros mais, deixando-o tal e qual o largam após a limpeza labial
superior. Não acreditamos que esse gesto pretenda ocultar as nódoas de azeite,
das ovas de esturjão, o molho do camarão e da santola ou ainda o da “pomada” retirada
da botelha de um Montrachet ou de um Vosne-Romanée, para só citar dois dos mais
caros das cerca de seis milhões de marcas que há no mundo.
É claro que num restaurante com guardanapos de papel, e
mesmo aqueles que arrebanham à toa nas lojas de fast-food para limparem as mãos
untadas de tudo o que metem nos hamburgers, ninguém se dedica a essa meticulosa
tarefa, deixando-os dobrados e vincados como origamis, ou simplesmente amarfanhados
dentro dos recipientes para reciclagem. Esquecem-se – ou não sabem – que a superstição
não recomenda à pessoa que visita ou frequenta esse refeitório que, ao fazer essa
operação de dobragem, arriscam-se a não voltar lá segunda vez.
Bem, uma coisa é certa: comigo não resulta essa receita
fantasista e não assino de cruz na crendice.
Por outro lado, encontram-se à venda guardanapos do
Dia das Bruxas tão baratos que até dá vergonha pedir documento capaz de entrar
no e-fatura, para mais quando sabemos que são vendidos para assustadoras festas
de Halloween, pelo que fica a ideia de as bruxas terem as costas largas e não
fazerem milagres. Bem, pelo menos, milagres para a cura de juízo de muito
desaparafusado dele.
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