sexta-feira, 18 de março de 2016

ENCICLOPÉDIAS ALEGRES (7) - BRUXAS

GALINHAS. Alterando um pouco o aforismo que provém de uma adivinha popular, a minha questão é esta, para alguém responder sem passar este parágrafo: o que é que as bruxas fazem diferente das galinhas quando se agacham?
A resposta é simples: as bruxas dobram os joelhos para a frente e as galinhas para trás.
Com ou sem joelhos nas galinhas, acreditava-se que uma galinha a cantar como um galo era prenúncio de adversidades para os donos, pelo que devia ser dada, de preferência vendida, e o dinheiro usado para gaspear os sapatos. Quem comprasse a galinha devia comer uma refeição atrás da porta, evitando que a galinha engrossasse o canto e imitasse o macho, renovando o ciclo.
GALOS. Os galos têm uma magia especial para o mundo da superstição. Não é suspeito que façam fugir uma bruxa, mas é popularmente corrente que fazem fugir o diabo, principalmente se forem de cor preta: os galos pretos romanos.
Se pescarmos a Lenda dos Galhardos, que até dá o nome a uma calçada na Serra da Estrela, nela se diz que esse nome é atribuído aos demónios, pelo facto de terem na testa dois galhos ou chifres. Diz-se que os ditos Galhardos deitaram mãos à obra para construírem a via numa só noite, incluindo nela uma área de serviço e duas faixas de rodagem, mas era-lhes imposta a condição de a terminarem antes do cantar do galo. Se o galo cantasse, o trabalho e a empreitada acabaria logo ali.
A calçada ainda não estava terminada quando o galo cantou. Um dos diabos, que queria dar por finda a tarefa, disse: “Vamo-nos, já cantou o galo.” E outro, que a pretendia terminar, retrocou: “Foi o galo pardo”. O primeiro insistiu: “Não, foi o galo preto romano.”
Mal foi identificado o galo cantante, todos largaram o trabalho e desataram a fugir para o lugar de onde tinham vindo. Por isso, a calçada parece estar incompleta. Quanto à simbologia do galo espanta-diabos encontra-se no alto das torres de muitos templos, como cata-vento.
Se já repararam, o galo de Barcelos é negro, se bem que colorido quanto baste com uns vermelhos e amarelos e umas pintinhas brancas, se excluirmos o vermelho garrido da crista e dos gorgomilos.
As bruxas, para além de não os temerem, até os comem, preparados no género Coc Au Vin (Galo ao Vinho) ou até capões à Freamunde, servidos com farófia, salpicão e presunto.
GATOS. Um gato preto é semelhante a outro gato qualquer, à excepção da cor. Gosta que lhe passem a mão pelo lombo, adora perseguir ratos e lambe-se com as rações apropriadas para a espécie. No entanto, parece que a apetência das bruxas é semelhante à de Henry Ford quando dispôs o seu modelo T aos clientes: podem escolher qualquer cor, desde que seja preto.
Há notícia, não oficialmente confirmada, de que uma bruxa ao ser queimada transformou-se num gato preto. Ter-se-á transformado num tição preto, do tamanho de um gato, teria sido esse o erro de visão? Assim, com essas mirabolantes visões e interpretações, como aquela que assegurava que as bruxas durante a noite se transformavam em gatos pretos, fez com que fossem perseguidos estes animais de cor escura. Para contradizer esta chacina ignóbil, alguém introduziu a superstição na qual gatos pretos trazem felicidade, mas não se devem matar, pois dá azar e sete anos de atraso ou menos sete anos de vida para quem o fizer.
Para que os gatos não fujam da casa dos donos, untam-lhes as patas com azeite quando são pequenos.
GOYA. De seu nome complete Francisco José de Goya e Lucientes, foi um pintor espanhol (1746-1828) que muito bem retratou em quadros, águas fortes e esboços impregnados de cores escuras e macabras, as bruxas e o diabo, este último representado como um bode de enormes chifres, tão grandes que nos causa estranheza como é que ele passava as portas do inferno com aquela armação!
Uma das obras do pintor que deixou na série Quinta del Sordo e Caprichos, é conhecida por El Aquelarre (vocábulo basco que significa bode do campo). Esta pintura foi feita para a sua casa na Quinta del Sordo e é também conhecida por El Gran Cabrón.
Nas telas não faltam criancinhas nas mãos das endemoninhadas criaturas, a dar razão à superstição popular e ao facto de o próprio pintor ter sido apanhado, não pera Operação Lava Jato ou pela Operação Marquês, mas pela adversidade – de vinte filhos que sua esposa Josefa Bayeu deitou ao mundo, só um sobreviveu.
GRAVIDEZ. Esta serve como receita: a mulher que vai dar à luz deve espetar um prego no chão, evitando, deste modo, que as bruxas “entrem” com o recém-nascido. Porém, se a criança já chorou três vezes no ventre materno, nem esta precaução lhe valerá.
Só vejo um senão nesta prática, uma vez que a maior parte das grávidas vai dar à luz nas maternidades: como é que elas irão justificar às enfermeiras o pedido de um prego e um martelo?
GUARDANAPOS. Já toda esta gentinha, que tem pachorra para ler esta enciclopédia, sabe que no final das refeições, o pessoal convidado ou não convidado, tem a mania de dobrar o guardanapo: uns preferem deixá-lo como uma rodilha; outros tentando reproduzir a forma de um triângulo equilátero; ainda outros mais, deixando-o tal e qual o largam após a limpeza labial superior. Não acreditamos que esse gesto pretenda ocultar as nódoas de azeite, das ovas de esturjão, o molho do camarão e da santola ou ainda o da “pomada” retirada da botelha de um Montrachet ou de um Vosne-Romanée, para só citar dois dos mais caros das cerca de seis milhões de marcas que há no mundo.
É claro que num restaurante com guardanapos de papel, e mesmo aqueles que arrebanham à toa nas lojas de fast-food para limparem as mãos untadas de tudo o que metem nos hamburgers, ninguém se dedica a essa meticulosa tarefa, deixando-os dobrados e vincados como origamis, ou simplesmente amarfanhados dentro dos recipientes para reciclagem. Esquecem-se – ou não sabem – que a superstição não recomenda à pessoa que visita ou frequenta esse refeitório que, ao fazer essa operação de dobragem, arriscam-se a não voltar lá segunda vez.
Bem, uma coisa é certa: comigo não resulta essa receita fantasista e não assino de cruz na crendice.
Por outro lado, encontram-se à venda guardanapos do Dia das Bruxas tão baratos que até dá vergonha pedir documento capaz de entrar no e-fatura, para mais quando sabemos que são vendidos para assustadoras festas de Halloween, pelo que fica a ideia de as bruxas terem as costas largas e não fazerem milagres. Bem, pelo menos, milagres para a cura de juízo de muito desaparafusado dele.

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