Afinal, sempre se depreende que o conceito de Justiça não se fecha à
sociedade entre o espaço reservado – e temperado por processos volumosos, togas
e becas – de um Tribunal. Foi assim com
a exposição de caricaturas “O Traço da Justiça”, em boa hora proporcionado e
organizado pelo Juiz Presidente Dr. José Avelino Gonçalves.
Se o dito espaço ou fórum judicial, em matéria de contencioso obriga
réus e testemunhas a baixar a cabeça, por culpa ou inocência, face aos
circunspectos magistrados judiciais, causídicos e oficiais de justiça, quase
sempre sob um timbre severo e hierático, desta feita os trabalhos expostos
obrigam a ergue-la para admirar uma obra caricaturada sobre… a Justiça, aquilo
sim.
Será, digo eu, com outro estado de alma, melhor dizendo, força de
ânimo, que vemos a lufada de ar fresco que se abriu na Casa da Justiça,
designadamente na belíssima sala de audiências do Tribunal de Castelo Branco,
onde decorreu um debate paralelamente à exposição disposta no exterior. Debate,
diga-se, onde participou um representante da Justiça (Dr. João Ramos) com “Nós
os magistrados vistos por eles os jornalistas”, uma jornalista (Lídia Barata)
através de “A Justiça e a Imprensa Regional” e um perito na arte da caricatura
(Osvaldo de Sousa) que falou de “Liberdades de Humor e Expressões de Direito”.
E, não o escondo, onde eu tive de “meter a colherada” sem acrescentar nem
diminuir ao muito bom que foi dito. Nestas coisas sou muito frugal, junto a
fome com a vontade de comer e mando os meus palpites.
Na sala de audiências do Tribunal de Castelo Branco, e da esquerda para a direita: Osvaldo Sousa, Francisco Geraldes; Dr. José Avelino; Santos Costa; Francisco Varela; Zé Oliveira
A ideia nasceu a propósito dos 50 anos do jornal “Trevim” e na arte do
cartune e da caricatura, o humor e a imprensa. “O Traço da Justiça” conta com o
trabalho de Osvaldo de Sousa, Carlos Sêco, Zé Oliveira, Francisco Geraldes,
Onofre Varela e Santos Costa (sim, eu próprio, convidado pelo Amigo Dr. José
Avelino), para além de uma exposição (magnífica e direi única) de Francisco
Geraldes, sobre aparos de canetas e estas próprias, de todos os tempos e de
todos os feitios, instrumentos preciosos para, nas suas épocas, lavrarem no
papel o que seria suposto correr pela Lei como água-benta sobre os pecados
comatosos. Sim, porque para se sentar no banco dos réus não será por muito ir à
missa.
A Justiça e o Cartune em debate
A exposição, aberta ao público de 5 a 18 de maio no Tribunal Judicial
de Castelo Branco, encontra-se nutrida por contribuições de autores portugueses
– os indicados acima – numa galeria onde também constam caricaturas de 40
artistas provenientes de 15 países. É ali que se criticam os costumes, as
ditaduras, as injustiças; é ali que se ajuda a construir a democracia, a
liberdade e se apontam defeitos. Não sentir esse espírito é cair na tese do
perfeito desinteresse, ou seja, tal como no rifão: quando se ergue a mão para
apontar a luz, o imbecil olha para o dedo.
De Castelo Branco, a exposição deu “um salto” até Proença-a-Nova, não
para beneficiar do acolhimento de uma Domus
Justitiae (que não possui: está em Oleiros; em Proença, o Julgado de Paz),
mas para se privilegiar num espaço magnífico de luz e modernidade, que são os
Paços do Concelho (de 2 a 25 de Junho) e a Galeria Municipal (de 2 a 27 de
Junho). As exposições de cartune “Trevim – 50 anos com Humor” e “O Anti-Herói
no Humor de Imprensa” são agora apresentadas ao público em Proença-a-Nova por
iniciativa do município local. O presidente da Câmara Municipal, João Lobo, dando
evidentes provas de como deve ser um bom anfitrião, destacou a abertura dos
Paços do Concelho a uma exposição cultural, seguindo a lógica do Tribunal da
Comarca que, “na pessoa do seu juiz presidente tem mostrado uma forma
diferenciada e a capacidade de, sendo a Justiça um local nobre e o primeiro
pilar de qualquer sociedade, torná-la de facto muito mais próxima dos cidadãos”.
Na opinião do mentor da exposição, Dr. José Avelino Gonçalves, “a
justiça não é só resolver os problemas das pessoas, tem muito de arte e de
cultura”. E tem, afirmo eu também. Pelos tribunais rodopiam os valores, as
estimas e os estigmas da sociedade, porque se quer regulada: a segurança, o
rigor no castigo, a peneira do certo e do errado entre almas cândidas e outras
desabridas na zoologia nada graciosa de toda a casta de delinquência. A arte de
bem julgar é arte; a arte de bem esgrimir argumentos e decidir com acórdãos
consistentes é arte. E a cultura é um paradigma de quem julga, pois para julgar
é preciso saber e conhecer. O certo é que a arte e a cultura impedem que, na
barra da Justiça, se transforme a vara em cajado.
Objectar-se-á: que é isso de abertura, quando ela se pretende fechada?
Naturalmente pretende-se fechada no seu segredo de juízo, no tão propalado
segredo de justiça; aberta seja no sentido da transparência, no primado do
trânsito julgado e bem julgado e, fora disso, na observação da autocrítica
através do humor e da caricatura.
Poder-se-á dizer, perante as caricaturas e os cartunes: este é o Traço
da Justiça que justifica de forma bem humorada o Braço da Justiça. Nem mais…
O Presidente da Câmara Municipal de Proença-a-Nova, Engº João Lobo e o Juiz Presidente do Distrito de Castelo Branco, Dr. José Avelino Gonçalves, durante a abertura da exposição
Dos meus trabalhos ali expostos, é natural que não seja do meu apreciar
tal estatuto, porquanto tracei o que, ao tempo da sua publicação em “O Diabo”, me
foi dado criticar os intervenientes no ramo judicial e as respectivas tutelas.
Se o fiz, no meu carácter impulsivo e aventureiro, sempre pensei que os
visados, não sendo broncos e indóceis (e não o foram) aproveitaram o rifão
atinente que prevalece pelos tempos: escuta dos outros para saberes de ti.
Não deixo de reconhecer o esforço e a simpatia, que agradeço, do grande
dinamizador da iniciativa, Juiz Presidente Dr. José Avelino, do corpo directivo
e colaboradores do jornal “Trevim”, do Presidente da Câmara Municipal de
Castelo Branco Luís Santos Correia e do Presidente da Câmara Municipal de
Proença-a-Nova João Melo Lobo, bem como da companhia imperdível do magistrado
José Avelino, do eternamente jovem Francisco Geraldes e do Vítor, do Zé
Oliveira e do Onofre Varela. É nestas amizades onde não vinga o mato e o capim,
porque o solo se encontra lavrado em sulcos profundos e a arada é fértil.
Caríssimo amigo
ResponderEliminarComo sempre, a sua prosa apresenta um traço distinto, ilustre.
A si, também se deve,o sucesso da exposição e o melhoramento da imagem desta Justiça, ainda demasiado formalista, por vezes cega,mas a calcorrear, seguramente, o bom caminho no fortalecimento da sua Missão.
Um grande Bem-Haja.
Caríssimo amigo
ResponderEliminarComo sempre, a sua prosa apresenta um traço distinto, ilustre.
A si, também se deve,o sucesso da exposição e o melhoramento da imagem desta Justiça, ainda demasiado formalista, por vezes cega,mas a calcorrear, seguramente, o bom caminho no fortalecimento da sua Missão.
Um grande Bem-Haja.
Caríssimo Amigo
EliminarA Justiça não deve permanecer de olhos fechados no seu isolamento, creio eu, porquanto o cenóbio e a clausura não se compaginam com a sociedade livre que a deve respeitar em vez de temer.
Concordo que ela se encontra agora, como nunca, no bom caminho e não necessita, como outrora, colocar um juiz pedâneo em cada terra para fazer valer a lei e a pena da lei.
O seu esforço, caro Amigo, o seu trabalho de abnegação, pesquisa e estudo, valem pela dignificação que publicita à sociedade, chamando-a a colaborar, para que todos percebam que a Justiça não é uma casa fechada ou comício de becas e togas, onde muitos entram para demonstrar que são inocentes e outros para esconder que são culpados; antes, um lugar de respeito e respeitador, "domus" das garantias e deveres dos cidadãos, esteio da democracia.
Pode contar sempre comigo, quando e como entender, porque para além da Amizade há ainda o respeito pela sua Missão e a gratidão pelo magnífico trabalho que tem desenvolvido na grande área da sua presidência judicial.
Um grande abraço
Santos Costa