É raro, senão caso único, vir aqui colocar um texto sem imagem. Faço-o
propositadamente e não porque minguassem opções capazes e pertinentes para o
fazer. Trata a omissão uma questão de estado de alma (como soe dizer-se e em
voga), porquanto o texto se crê nesta hora sozinho, sem o desenho.
A vida e a arte não evolui em retornos, mas deles se serve para progredir.
Nem se sobrevive nas artes com conformismos, derrotismos, desprezo ou
mesquinhez, se bem que, por vezes, o desânimo quase faça claudicar uma soma árdua
de trabalhos.
Serve o arrazoado para falar de dois pormenores que têm a minha obra desenhada, nas suas duas vertentes (BD e Cartune) retirada num apagão que, se não
desanima, fere. Todos os que me conhecem sabem que não sou afeito a louvores ou
encómios exagerados; também não concilio pacificamente ingratidões ou
menosprezos. Ponto final. Parágrafo aqui.
Numa obra enciclopédica sobre a Banda Desenhada Portuguesa, publicada
há uns anos, parece-me que fui o único desenhador nacional a ficar omisso nas
suas páginas, mesmo sabendo que elas registaram autores recentes e antigos com produção
residual. No entanto, os autores não viram – acredito que não vissem – a produção
que eu já tinha publicado em álbuns e publicações periódicas, sendo que em
jornais nacionais (com sede em Lisboa) mais de 500 páginas. Nem uma linha! Nem
uma única imagem sem legenda!
Acabei de adquirir uma enciclopédia de Cartunistas Portugueses, maxime os
que foram publicados pela imprensa, e não consta que esses meus trabalhos (que foram mais de 300) tivessem vindo ao lume desta publicação nem o seu autor aí seja referido,
perplexidade que ocorre num conteúdo que se estende em 5 grossos volumes. Nem
uma linha! Nem uma única imagem sem legenda!
As questões justificativas a colocar seriam:
- terão os autores das obras qualquer má vontade com a minha pessoa?
Não, peremptoriamente não. Na altura do seu trabalho, nem sequer me conheciam
ou – como diria um dirigente desportivo – me tivessem sido apresentados.
- terá o meu trabalho, por menor valia, imerecido o registo ou não se
inserir no âmbito em apreço? Talvez, porque em matéria de gosto não há
discussão, embora o meu trabalho a ser excluído do que propõem as obras, não
deixe de ser inverosímil.
- terei ficado “de fora” por não me incluir nos desenhadores e cartunistas
portugueses? Evidentemente que não, uma vez que não alterei a nacionalidade.
- teria passado despercebido o meu trabalho? Certamente, muito embora a
perplexidade sobressaia pelo facto de se tratarem, em ambos os casos dessas
duas publicações, de obras de envergadura investigativa e de registo geral,
provavelmente com recurso a arquivos e bibliotecas institucionais, das que
beneficiam do Depósito Legal.
- teria a omissão ocorrido pelo facto de os autores, ao tempo, não me
conhecerem pessoalmente? Não releva, porquanto a obra é que constitui o primado
da investigação, e ela foi toda – ou quase toda - publicada em Lisboa e na
totalidade em Portugal; por demais, prossegue o caso com o facto de a
enciclopédia da Banda Desenhada ter sido publicada pelo mesmo editor que
publicou parte da minha obra; e, no caso da enciclopédia do Cartune, ter sido
profusamente (e bem) constituídas entradas ao meu antecessor no mesmo jornal.
Concluindo, à guisa de acórdão. As omissões não são graves (a não ser
para mim) e a pena que nelas recai não ultrapassará a mera conjectura e
ressonância de que não é um trabalho perfeito e completo, mesmo que só tenha
sido uma única omissão – a minha.
Daí este meu desabafo público – e não queixa, de que sou avesso a essa
forma de ser – para que haja algum cuidado, em obras desta natureza, que se pretendem
abrangentes, na busca demorada e proporcional ao bom resultado final, calafetando
buracos como se fossem o casco de um navio, em vez da pressa em reunir entradas
que justifiquem o título, os prazos da edição ou outros impulsos.
Foi lapso, foi descuido, acredito eu, acreditarão todos que as omissões
em obras sobre as duas matérias não envolvem irreverência, má vontade ou
injúria. Não acredito eu que, por mera desinfecção do medíocre, tivessem
corrido com aquilo que de mim foi publicado.
Já tenho idade para não me ressentir com estas coisas, mas também tenho
idade para propor corrigir coisas destas, até porque o provérbio costuma dizer
que cão velho, quando morde, dá conselho. As duas obras não deixam de ter a sua
valia, já que devemos saber que uma excepção não contraria a regra, e o que lá
está merece estar. Também não me amesquinham as omissões, a ponto de considerar
que a minha obra não vale o que a gata enterra; todavia não me envaideceria a
inclusão, porque se tivesse de sobreviver dessa publicidade, mais valeria deitar-me à
sombra da cerejeira do quintal.
Por uma questão de caridade deontológica, não menciono as duas obras e
os respectivos autores, se bem que as possua: a primeira, porque o editor ma
ofereceu; a segunda, porque a adquiri muito recentemente ao autor sem saber o
que lá vinha dentro. Sobretudo sem saber que eu, como cartunista, “não vinha”
lá dentro. Arrumo as duas obras com o cuidado que proporciono a um feixe de lenha
e com a mesma determinação com que os lusitanos depositavam os inválidos à
beira das estradas.
À primeira “falha” disse nada, escrevi ainda menos. Somada esta, o
provinciano que eu sou, saltou da cadeira. Acabou-se!
Igualmente, por uma questão de dignidade, como já fiz em relação a um
dos co-autores da enciclopédia de Banda Desenhada, terei certamente ocasião de
apontar a falha ao autor da enciclopédia de cartunes e cartunistas portugueses.
E ficamos quites.
Tenham vergonha quem por bem não sabe o que publica o deveria saber e não fazer não uma mas pelo que parece duas obras enciclopédicas que servirão ou não de consulta futura e de nada servem.
ResponderEliminarJunto à tua voz SC a minha humilde voz mas com vontade de refazer o mal que foi feito.
Inácio
Caro Inácio
ResponderEliminarÉ certo que nenhum autor fica satisfeito com obra a que se lhe aponte um lapso, embora, no caso dos dicionários, enciclopédias e colectâneas de determinado ramo ou especialidade, seja difícil não existir uma ou outra omissão. Geralmente são pequenos erros, falhas nas entradas de certos nomes ou obras, alguns pormenores que, na visão do todo, sempre ocorrem.
O que aconteceu aqui, em duas obras distintas e de autores distintos, é que o lapso é grande; não em relação ao autor, um provinciano que raramente vai até à capital do País, onde nasceu, mas à obra que, se não for importante ou do agrado dos colectores, existe e deve ser mencionada.
Julgo eu - e não estarei enganado - que em ambos os casos ocorreu um manifesto desconhecimento de um autor nas duas vertentes em apreço, o que significa que a consulta não se fez completa ou, se o foi, descuidada.
Agradeço-te o comentário e a solidariedade, mas nada há a refazer. De qualquer modo, este meu desabafo surgiu por ter acontecido duas vezes, a primeira há mais de 15 anos (e nada disse sobre o caso), esta segunda muito recentemente. Só pelo duplicado da "coisa", surgiu a reacção. Se existir uma terceira, nem ligo! Nada mais interessa, porque o que desenho e escrevo, bem ou mal, continua impresso de forma irreversível. Tal como as publicações com falhas.
Abraço
Santos Costa
Caríssimo Santos Costa
ResponderEliminarAqui fica um enorme abraço solidário pelo excelente trabalho que o meu amigo vem criando, quer pelo aparo, quer pela caneta.
A Obra anda por aí.
Na biblioteca, na escola, na mesinha de cabeceira,no tribunal....
Receba um grande abraço de admiração, também partilhado pela Lina, pela Cláudia e pela Andreia.
Caríssimo Santos Costa
ResponderEliminarAqui fica um enorme abraço solidário pelo excelente trabalho que o meu amigo vem criando, quer pelo aparo, quer pela caneta.
A Obra anda por aí.
Na biblioteca, na escola, na mesinha de cabeceira,no tribunal....
Receba um grande abraço de admiração, também partilhado pela Lina, pela Cláudia e pela Andreia.
Caríssimo Amigo
ResponderEliminarDr. José Avelino
Mais do que ter o meu trabalho impresso em colectâneas ou compêndios, é ter leitores que a lêem e a divulgam, como muito tem feito o meu Amigo.
Prova disso é a exposição "O Traço da Justiça", que tem a possibilidade de juntar magistrados, jornalistas, mulheres e homens ligados à cultura, caricaturistas e cartunistas numa manifestação inequívoca de grande valor, abertura e diálogo franco pela cidadania com a comunidade.
O Tribunal de Castelo Branco merece o louvor e a gratidão de todos nós, principalmente dirigidos ao Juiz Presidente da comarca, que é o meu Amigo, extensivo naturalmente a todos os magistrados e funcionários, que honram por essa forma a imprensa, mormente a imprensa regional através dos 50 anos do "Trevim".
Esta é, segundo se me afigura, uma abertura que propõe ao cidadão uma visão humana do foro jurídico, causando admiração e reconhecimento onde, a maior parte das vezes, só prevalece o temor e até incompreensão.
Também por esta manifestação de solidariedade, o meu mais reconhecido agradecimento, naturalmente também para sua Esposa e Filhas.
Um grande abraço de Amizade
Santos Costa
Antes do mais peço desculpa por essa omissão. Infelizmente não é a única. A maior parte dos cartoonistas representados não os conheço pessoalmente. Foi uma investigação longa, em que tive de ler todos os jornais humoristicos desde 1840 e a parte final, quando já não tinha tanto tempo para estar na Biblioteca nacional foi mais com o material que os cartoonistas enviavam para o Salão Nacional Humor de Imprensa como representativos do seu trabalho nesse ano. Foi um trabalho solitário, muito insultado, tive que pagar coimas em justiça de montantes, por autor que não queria estar incluido na historia, que me levaram uma vida inteira a poupar... Na realidade desconhecia a sua obra e a sua pessoa ainda hoje. Lamento profundamente essa injustiça, como lamento ter feito esta obra já que pelos vistos nunca foi desejada pelo publico e muito menos pelos artistas. Meu caro amigo, tem toda a razão para estar magoado e so me resta pedir desculpa pela falha grave que é a ausencia de um autor de qualidade numa obra destas.
ResponderEliminarCaro Osvaldo
ResponderEliminarObras sem mácula e omissões, totalmente perfeitas - incluindo as minhas, no campo da escrita e da investigação - só serão possível quando as galinhas tiverem dentes e a semana nove dias.
Se não tivesse havido um lapso numa publicação anterior, colectânea ou enciclopédia numa arte "prima" do cartoon (ou cartune), nem sequer teria falado no caso. Essa, sim, que ficou calada até agora e com um autor que me conheceu pessoalmente nos encontros/tertúlias das quintas-feiras do Parque Mayer, onde se juntavam argumentistas, desenhadores e editores.
A elaboração de uma obra do género é uma via-sacra, muitos o testemunham. Não é fácil, principalmente a solo, reunir tempo e elementos de busca para juntar numa ordem alfabética, ainda por cima com períodos de tempo demarcados na obra publicada na imprensa.
Mas saiba que fez uma obra de vulto, certamente basilar para outros poderem usufruir dos verbetes aí reunidos, o que farão certamente sem passarem pelo laborioso trabalho por que o Osvaldo passou.
A dignidade de vir aqui comentar e acusar o lapso, é suficiente para classificar a sua honestidade intelectual de historiador (que o é), a verticalidade no assumir do lapso (o que é humano e não inédito), gesto que é raro nos tempos que correm.
Se me permite em grosso modo a comparação em metáfora através do provérbio, o Osvaldo "é preso por ter cão e por não ter cão", ou seja: por um lado, arrosta com um processo judicial por ter incluído um autor, supostamente sem autorização; por outro, recebe o "sabonete" de outro que não foi incluído.
Relativamente ao primeiro caso, apesar de não ser jurista, custa-me a crer que alguém litigue por o seu nome e a sua obra constar de uma lista de autores onde é par; do segundo, o que a mim diz respeito, creia que o "mal" não causa moléstia de corpo ou de alma e muito menos de atribulações semelhantes ao primeiro. Independentemente do acórdão final - e não estou a criticar a Justiça nas suas diferentes e soberanas decisões, pois acompanhei o caso pelo Humorgraf e outros blogs - suponho que o justo é considerar uma obra e o seu autor, quando divulgado, dentro do legítimo interesse da História, em qualquer matéria, pelo que nem sequer devia tal pretexto chegar a uma barra de tribunal. Suponho que, a pegar essa "moda", ninguém mais se preocupará em registar para a posteridade os valores pessoais e colectivos, no pressuposto que se beliscam direitos senhoriais.
Se por acaso em Castelo Branco tivesse dado conta da minha omissão, certamente teria dito ao Osvaldo que a mesma estava desculpada e acabaríamos por beber, em conjunto, um copo do licor-beirão (escrevo assim para não me acusarem de publicidade não autorizada) e de encerrar o assunto.
Creia-me sem qualquer ressentimento, até porque não vislumbrei o mais pequeno gesto de animosidade nesse lapso e repito o que escrevi no corpo do post - "Foi lapso, foi descuido, acredito eu, acreditarão todos que as omissões em obras sobre as duas matérias não envolvem irreverência, má vontade ou injúria".
Finalmente incito-o a não desanimar, porque não há obra sem crítica, ao sabor de muitas bílis e temperamentos. É a prova que os livros, assim açoitados, não são trastes enfadonhos e, como é óbvio, quando saídos da gráfica, não há volta a dar...
Sem ressentimentos e sem mágoas
Um abraço do
Santos Costa