domingo, 21 de maio de 2017

ENCICLOPÉDIA ALEGRE DE IMPOSTOS (6)

Em 8 de Março deste ano trouxe aqui o tema “contribuição” e volto para repeti-lo, a pedido de “várias famílias” e porque ontem, numa confraternização, saiu-me esta do bestunto. Por essa altura, lembrou-me da “coisa” a propósito dos nomes que a estrangeirada deu à “Geringonça”, que também é um Imposto – e não uma Contribuição – uma vez que governa sem ser directamente votada para ficar em primeiro lugar para governar. Se isto é confuso, eu vos confundo neste poço de perplexidades sem fundo. O caso das traduções do vocábulo Portasiano por essas línguas-de-trapos para além de Vilar Formoso tem dado que falar; pelo menos, foi o que li num semanário abandonado e perdido numa sarjeta (quando o seu lugar seria num ecoponto), na altura em que não tinha trocos nem pachorra para comprar um em primeira mão.
Mas vamos aos vocábulos...
CONTRIBUIÇÃO. Durou muitos anos este termo “contribuição”, designadamente nos diplomas fiscais e na própria designação da entidade que superintende – a Direcção Geral das Contribuições e Impostos. Com a queda do que se chamava, muito despropositadamente contribuições, a própria designação da direcção geral deixou de conter esse termo e passou a ser conhecida como Direcção Geral dos Impostos, embora mantivesse a sigla DGCI.
Disse despropositadamente e disse bem, porque a contribuição pressupõe quem contribua com um propósito generoso, direi mesmo voluntário. E não era esse o caso.
Acabou o termo? Nada disso! Então como é que se chama, ou que outro nome tem, a contribuição audiovisual? E o que são as chamadas “contribuições extraordinárias”? Quando até a própria e o Banco Alimentar Contra a Fome, bem como a Wikipédia pedem “contribuições”!...
Uma coisa é dizer: eu contribuo para a AMI, porque tenho pena dos mais necessitados; outra será dizer: eu contribuo para o IMI, porque tenho pena dos menos carenciados. Para além disso, convenhamos que se o IMI fosse contribuição, seria designado por COMI (Contribuição Municipal de Imóveis) – logo, se o predicado exige sujeito, ou vice-versa, se COMI, comi alguma coisa…
Não se queixem os que contribuem com as filas de espera para cumprirem o sagrado dever de contribuir, alegando terem de deixar os filhos e os netos sozinhos em casa, pois o primeiro-ministro Costa disponibiliza-se para ficar com eles nesse ínterim.
O que contribui chama-se contribuinte, pessoa que o devia fazer graciosamente, segundo a etimologia da palavra. E não o faz. A não ser que seja um filantropo ou altruísta, mesmo assim para outras causas. Há quem ache que o contribuinte é um mecenas ou um trabalhador sem direito a féria. Aquele que foi actor e presidente americano muito antes de Trump, que se chamou Reagan, disse mais ou menos isto: “O contribuinte é o único cidadão que trabalha para o governo sem ter de prestar concurso.”
Também se pode meter neste saco todo aquele “chico” que contribuiu para os dez mil milhões nas “offshores”, na órbita da frase keynesiana de que evitar os impostos é a "única actividade que actualmente contém alguma recompensa".
O livro do ex-presidente da república, que levou o título “As Quintas-Feiras e Outros Dias” bem que podia ter outro título, mais apelativo, capaz de catapultar estas memórias para uma cifra equivalente à publicação das de Obama – 60 milhões (!). Se fosse eu, chamar-lhe-ia “As Quintas-Feiras e Outras Contribuições”. Mas, confesso, eu também não teria pachorra nem capacidade para escrever memórias deste quilate.
O certo é que o termo contribuinte constitui um paradoxo, tal como essoutro que se chama fuga ao fisco, quando, o que vemos, é os ditos contribuintes, em vez de fugirem, fazerem "fila" à porta das repartições para cumprirem a obrigação, ainda que, no íntimo, desejassem que o papel para pagamento da contribuição fosse metido num sítio recôndito e íntimo, como serventia.
Voltemos à família contribuição e imposto, cujo parentesco, no seio das designações fiscais, deve andar à volta de primos. Não havia uma redundância de designações para o mesmo fim? Não entrava tudo no mesmo saco, pela via da mesma caixa? Logo, um estava a mais.
Não estava, disso vos garanto. Os catedráticos aludem a diferentes significados técnicos para a existência dos dois ramos, coisa que eu não contesto.
O próprio termo imposto, se quisermos, já significa contribuir (concordo, por imposição), tanto assim que os serviços fiscais tratam por contribuintes os pagadores de impostos e não por impostores. Nalguns casos, sinceramente, mais impostores que contribuintes.
FOSSADO. Este devia ser o mais exótico dos impostos, se fosse aplicado aos proprietários e produtores de porcos bísaros, pata negra ou malhados de Alcobaça. Mas não. Quem fossava para este imposto não eram os suínos, que já os havia em larga escala, mas os trabalhadores da gleba, através da sua mão de obra para serviços de construção de castelos ou fortificações militares, bem como o serviço militar a que estavam obrigados os cavaleiros vilãos e peões.
Era, como se compreende, um imposto em espécie, sendo a espécie o trabalho e a prestação de serviços. Não era chegar à tesouraria ou ao multibanco e toma-lá!... Saía do corpinho e tinha o benefício de não sujeição às argoladas da liquidação e das omissões no e-factura, coisas que acontecem desde a ocorrência do pecado original.
E quem se escusasse ao fossado? Tal como hoje – e sempre – teria uma multa ou coima, que se chamava fossadeira e não era mais suave do que as suas congéneres de hoje.
Mais tarde, este encargo passou a ser remido a dinheiro, uma vez que o valor é semelhante para todos os sujeitos passivos e os cofres não engordavam com o suor alheio. Digo isto porque, sendo um imposto generalizado, alguns sornas e menos trabalhadores contribuíam com uma fatia menor, o que não era justo. Já na altura passava a ideia de que pagar imposto fazia mal à saúde.
    Tinha de haver penalidades para os faltosos. Então, tal como agora, código que fosse código, não ficaria completo sem este saboroso capítulo. Fossadeira, de início, era a multa que tinham de pagar os que faltavam ao fossado. A fossadeira, como multa, podia então ser paga em géneros, talvez mesmo em bitcoins da época, através de um estratagema subtil e semelhante àquele que só podia surgir, mais tarde, em cachimónias de hodierna gente.
     Imagina-se a satisfação dos cobradores ao ouvirem o "cantar" das moedas no fundo do cofre, muito semelhante à de um melómano a uma partitura de Bach.

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