TESOURAS. Uma tesoura aberta sobre uma travesseira livra do
poder maléfico das bruxas a todo aquele que, durante o sono, aí repousar a
cabeça. Igualmente deve servir uma tesoura (aberta, naturalmente) para evitar
que as bruxas ouçam quem fale mal delas. Torna-se evidente que, no pressuposto
de Trump, se existir um aparelho micro-ondas por perto, elas ouvem mesmo.
TRAJE. Uma mulher com bata branca será médica ou enfermeira;
um homem fardado com um cassetete, papel de multas na mão e um
radiotransmissor-receptor será polícia; um fulano com farda verde e com as
iniciais CM, será identificado como prestador de serviços menores numa câmara
municipal (sim, porque o presidente ou os vereadores jamais usariam uma coisa
daquelas); um outro com o cabelo desalinhado, de fraque e luva branca, passará
por regente da orquestra, mesmo que perceba tanto de uma pauta musical como eu;
alguém de gravata e com sintomas de sonolência, decerto o percebemos como
membro do Parlamento. Ora, uma bruxa não possui fardamento, vestes talares ou
outro traje característico especial que faça com que se distinga do comum dos
mortais. Quando se transformam em patas de cor preta, ratazanas e porcas negras
como o azeviche, não são vistas por qualquer um e, se as descobrem, nem sequer
imaginam a metamorfose que vai por ali. Apenas a vassoura, os cintos de grandes
fivelas e aquele emblemático chapéu cónico que faz lembrar os limitadores de
obras na auto-estrada – e que o estilismo de Jean Barthet não desdenharia – as
podem denunciar, não estivessem elas, hoje em dia, arredadas desse ultrapassado
folclore.
Quem acusar um vizinho ou vizinha de bruxaria, não
tendo formas de o identificar, podendo essa pessoa ser aquilo que acusa, é como
ouvir dizer a um jacaré que o hipopótamo tem uma boca enorme.
De tudo isto se imagina como é difícil a identificação
das bruxas e bruxos, nem mesmo se as virmos, de ouvido atento, à audição da
“Sinfonia Fantástica” de Berlioz.
URINA. Atenção a este sinal: quando o lume da lareira começa
a dar estalidos, é sinal que as bruxas estão a urinar nele. Se não é bastante
para esfriar a fogueira, também não deverá ser confundido com outra prática
mais escatológica, que vulgarmente se intitula “chuva dourada”.
Há quem diga que elas celebram os sucessos com o mesmo
chinfrim do clube de futebol que arrebanha o tetra. Com o diabo como treinador
em slips, executam passes taurinos e, entre elas e ele, exercitam os principais tipos de
pegas: de caras, de cernelha, de costas, a de gaiola, o cite do forcado e a
pega com o forcado da cara sentado numa cadeira. O diabo, por ter cornos, faz
de touro.
UVAS. Esta até o mais empedernido descrente sabe e pratica.
Comer doze passas, cada uma com seu desejo, na altura em que soam as badaladas
da meia-noite da passagem do ano, é comum e prática generalizada. É uma por
cada badalada e não convém atrasar-se nem muito menos engasgar-se. Para o caso
de se atrapalharem nos pedidos, usem uma cábula, pois não está proibido este
auxílio da memória. Aconselho que reservem uma das passas para que um
primeiro-ministro detestado, e a sua comandita, não regressem ao leme do País,
porque para pior, já se aguenta assim.
Não convém é sonhar com uvas brancas na noite da
passagem de ano ou nas noites seguintes, porque é sinal de lágrimas; no
entanto, sendo uvas pretas é sinal de carta, que muito bem pode ser o pagamento
de uma multa de trânsito (o mais vulgar e, ultimamente, o mais frequente) ou a
liquidação, a pagar, do IRS.
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