Uma vez por outra, consulto a blogosfera que vale o gosto consultar.
Eis quando deparo com um excelente texto do Prof. Doutor Salvador Massano
Cardoso, trazida ao blog “4R-Quarta República”, em 14 de Setembro de 2013,
intitulada "Trancoso...".
Nessa bonita peça literária, é feito um elogioso comentário a este
livro “O Padre Costa de Trancoso”, o qual vai na 6ª edição.
Solicitei autorização para publicar neste modesto espaço essa peça
literária, o que trago agora, ainda com a promessa de reproduzir uma outra, da
autoria do Dr. Pinho Cardão, também colaborador do Quarta República, que dedicou um outro texto ao famoso sacerdote.
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso é Professor Catedrático de
Epidemiologia e Medicina Preventiva e Director do Instituto de Higiene e
Medicina Social da FMUC, é ainda Especialista em Medicina do Trabalho pela
Ordem dos Médicos e Membro Titular da Academia Portuguesa de Medicina (cadeira
L),coordenador dos Cursos de Mestrado em Saúde Pública e do Mestrado em Saúde
Ocupacional e ainda do Curso de Medicina do Trabalho da FMUC, Provedor do
Ambiente e da Qualidade de Vida Urbana de Coimbra, Deputado à Assembleia da
República (IX Legislatura), Presidente da Assembleia Municipal de Santa Comba
Dão, Vice-Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.
Segue o texto
TRANCOSO…
Tive
que ir a Trancoso. O meu amigo não sabia que naquela vila histórica tinha
vivido o famoso Bandarra, sapateiro e autor de profecias que fazem ainda hoje
as delícias de qualquer um. Um notável que merece ser emparelhado ao lado dos
melhores. Depois de termos chegado, fui à vida, cumprindo o que estava
destinado. Ficou à espera, acabando por esperar mais do que o previsto. Quando
entrei no automóvel vi que estava a ler. Disse-me que tinha dado uma volta. Não
imaginava ver uma preciosidade que desconhecia.
Portugal
tem muitos e maravilhosos tesouros que me enchem de alegria, de satisfação e de
orgulho. Tomara ter tempo para viver e andar por todas essas terras,
embrenhando-me nas suas ruas e convivendo com as gentes. Foi então que apontou,
com muita satisfação, o livro, "As profecias do Bandarra". Tinha
acabado de o comprar. - Comprei-o por causa da nossa conversa de há pouco. -
Fez muito bem. - Mas espere, também acabei por comprar este, era o último.
Mostrou-me a obra de Santos Costa, "O Padre Costa de Trancoso". Dei
uma tremenda gargalhada. - O padre Costa, o homem que, segundo a lenda, deve ter
feito mais filhos em Portugal, filhos feitos nos ventres de dezenas de
mulheres. Um feito que lhe ia custando a vida mas que, devido ao contributo
para o povoamento da região, acabou por ter clemência real. - Já o tem? - Não,
por acaso não tenho, embora tivesse tido conhecimento da sua publicação. - Era
o último que havia na livraria, mas eu ofereço-lhe. - Muito obrigado. Aceito
com imenso prazer. Depois sugeri que fôssemos tomar uma bebida naquele
belíssimo e histórico lugar. Passeámos um pouco e vislumbrámos belos edifícios,
e espaços cuidados, embora a decadência do Palácio Ducal cortasse o coração de
qualquer pessoa.
Não
disse, mas pensei, quantas histórias devem andar por ali mortas de desejo de
renascer nas almas dos visitantes. Quantas, meu Deus! Não me importava nada de
as ouvir, de as ver, de as imaginar e de as guardar.
Soube-me
bem a cerveja. Soube-me bem respirar aquele ar. Soube-me bem sentir o calor das
muralhas.
Hoje,
li, ou melhor, reli as "Profecias do Bandarra". Adorei. Tenho de
regressar a Trancoso o mais breve possível, mas com tempo.
Ontem,
comecei a ler o livro "O Padre Costa de Trancoso", padre a quem foi
atribuído 299 filhos paridos de 53 mulheres. Hoje retomei a leitura. Gosto da
narrativa, cuidada, rica e ilustrativa dos hábitos e costumes da história de
Portugal desse período.
Uma
das passagens diz respeito à conversa entre o padre Francisco da Costa e o seu
amigo, o culto e respeitado judeu Mendo Pires, que, conhecedor das façanhas do
clérigo, ia trocando impressões sobre o tema da dissolução dos costumes. Para o
padre todas as mulheres serviam para satisfazer os seus instintos,
justificando-se como lhe convinha. A páginas tantas, Mendo Pires afirmou que no
que toca às solteiras o "meretrício parecia ser exclusivo dos padres".
Surpreendido, o Costa pediu-lhe explicações. Foi então que o escrivão comentou
uma passagem do Talmude. Uma descrição tão bela que não posso deixar de
transcrever. "Cuida-te quando fazes chorar uma mulher, pois Deus conta as
lágrimas dela. A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser
pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual; foi
feita da parte debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para
ser amada". O padre Costa, insensível, "encolheu os ombros", mas
eu não. Uma imagem destas, cheia de amor, rica de poesia e verdadeira fonte de
pureza, não pode ficar escondida. Vou retê-la.
Afinal,
como costumo dizer, adoro tropeçar em coisas belas e depois saboreá-las com
prazer. Tenho que as partilhar. Porquê? Porque sim, porque merecemos desfrutar
o belo, que é um dos alimentos das almas famintas.
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