Quando me sinto com bonomia para não fazer, como se costuma dizer, a “ponta
de um corno”, envolvo-me com um livro de apontamentos e uma esferográfica preta
para juntar curiosidades à longa lista das que “pesco” aqui e ali. Disto já
falei noutro post, mais atrás.
Quando a bonomia se transforma em tédio e não me sinto tentado a fazer
colheres com o vagar ou a ir para junto de um rochedo e talhar um megálito,
passo esses apontamentos manuscritos para um ficheiro que trago a congestionar
a memória do computador.
Quando quero colocar um travessão nas “postagens” para não expor apenas
a Banda Desenhada, e por saber de antemão que este blog nunca será um imaterial
monumento nacional, mesmo tendo como pedra de armas o célebre Bandarra, sinto-me
tentado a mendigar retalhos da minha obra engavetada, encaixotada e penada em “drives”
informáticas.
É o caso de hoje. Do tal livro manuscrito, à passagem digital sequente,
encontrei hoje uma tirada sobre o D. Quixote, assanhado em arruaças e toleimas
onde eu não me queria ver.
Miguel de Cervantes, o autor de D. Quixote de la Mancha, um dos mais
belos romances que até hoje foram escritos, não deixou incólume D. Alonso
Quijano, o infeliz fidalgo da “triste figura”. No meio ano das suas andantes
cavalarias, entre pancadas de criar bicho, o magro fidalgo ficou assim marcado:
meia orelha arrancada por Sancho de Azpetia; levou murros nas mandíbulas de um atávico
arrieiro de Marritornes até perder os sentidos; ainda uns pontapés por parte do
mesmo arrieiro enquanto estava no leito; levou murros na boca, dados por um
estalajadeiro, que castigou assim ver os seus odres esfaqueados; mais murros no
rosto por parte de um pastor de cabras; foi apedrejado pelos pastores,
amolgando-lhe algumas costelas e ferindo-o nos dedos da mão direita; foi
espancado com a própria lança por um moço, depois deste a desfazer em pedaços;
foi agredido com um cantil de azeite na estalagem por um quadrilheiro da Santa
Irmandade (como na maioria das ditas irmandades, espalhando amor e sarrabulho),
de que surgiram dois galos na cabeça; foi mordido e arranhado no nariz por um
gato em casa dos duques; passou-lhe por cima uma vara de porcos e recebeu
patadas de uma manada de vacas; foi agarrado pelo cabreiro pelo pescoço na
tentativa de o estrangular, à semelhança do que lhe fez o dito quadrilheiro da
Irmandade; ainda sem contar com a difícil situação vivida pelo cavaleiro
andante nas velas do moinho.
Será caso de perguntar se eu, no lugar de Cervantes, faria o mesmo à
minha personagem. Pois bem, faria, tal como fiz a uma outra, recuperada por mim
da tradição oral - o Padre Costa de Trancoso. Se o de Cervantes acometia
moinhos, o meu sacerdote acometia mulheres. Entre um e outro, não venha o diabo
escolher, porque prefiro que o faça o leitor.
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