quarta-feira, 20 de junho de 2012

A CURVA DO COSTA LIMA

Na fábrica de Suresnes, em França, Alexandre Darracq construiu um dos veículos que o Comendador Costa Lima  foi buscar a Lisboa, fazendo-se acompanhar por dois amigos. De resto, o capitalista era a teimosia personificada e jurou, naquele ano de 1903, chegar a Trancoso sobre uma máquina movida a motor.
O Darracq, possivelmente um modelo do ano anterior, acabou por transformar a viagem do proprietário e dos acompanhantes numa autêntica odisseia até chegarem a Trancoso. Assim foi que, perto da vila da Tábua, virou-se o carrinho, tendo os seus ocupantes ficado por baixo do dito numa dorida balbúrdia. Fora o susto, palparam-se duas vezes e, não fosse um anjo-custódio qualquer, era uma vez três compinchas motorizados.
Depois de devidamente reparado numa oficina de Coimbra, Costa Lima, mais eufórico, anunciou para Trancoso, através de um telegrama, o dia e a hora da chegada. Contava ele que a carripana havia de subir alegremente aquela estafa de Freches até ao Alto dos Frades. Para a mecânica da época era como se procurasse subir ao cabo do mundo, em macadame cheio de fissuras e batido por muitos cascos de mula e rodas de carroças. Porém, o pobre Darracq não aguentou a estirada, para mais picado pela excitação de chegar do seu dono e o peso de todos os fabianos que iam por cima.
Conclusão: acabaram todos por subir, sim, mas a trote de mula, pois carro e ocupantes foram puxados por um par de animais daquela espécie que, em boa hora, os rebocaram desde o Chafariz do Vento.
Esta a primeira ocorrência, verdade verdadinha, narrada com algum humor no jornal da terra.
Vamos ao incidente que, liberalmente, se toma por lenda.
Seguia, certo dia, o Comendador Costa Lima sobre a sua viatura, erecto e satisfeito como rei babilónico, quando, chegados à tal curva que ficou com o seu nome, o carro, sem mais aquelas deu em estacar subitamente. Dali não saía, nem para trás nem para diante. Dir-se-ia que a máquina, descon-tente com alguma, o fazia por pirraça. Nem que fosse o burro mais teimoso da paróquia!Varrendo do espírito que o carro tivesse conserto, Costa Lima saltou dele para fora.
Maldita traquitana, pensaria ele, já vendo aquela formosa viatura transformada em ferro-velho. O certo é que o motor continuava a trabalhar, mas para se mover, de grilo!
Temperamental como era, Costa Lima não achou graça àquela "caçoada" do Darracq, que já lhe tinha pregado a picardia em Espariz na viagem inaugural, quando se voltou e lhe causou uma escoriação no olho direito. Era demais! Vai daí, puxou da pistola e ferrou um balázio na carroçaria do automóvel. Mais não faria se se tratasse de um cavalo moribundo, com a diferença em que aquele tiro não era de misericórdia, mas de raiva.
Mal recebido o projéctil, o carro deu um solavanco e pôs-se a andar, desenfadado como um toiro. Ao Comendador puseram-se-lhe os cabelos em pé. Mas se não tivesse dado uma boa corrida e saltado,como um gamo, para os comandos, teria visto o seu carrinho mergulhar nalgum chafurdo e rolar pela encosta abaixo.
Não se sabe quem contou tal episódio. A ter acontecido de facto, é verosímil o incidente, pois nos primórdios do automóvel era costume verificar-se o sobre aquecimento do motor e das peças componen-tes locomotoras. Como se encontraria engrenado, na altura da paragem forçada, mal houve um arrefeci-mento, ala moleiro.
Da lenda ou da realidade,esta é a história da Curva do Costa Lima.

2 comentários:

  1. LOL
    Não conhecia essa estória!
    Os primórdios do automóvel são férteis em boas estórias!
    :D

    Abraço

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  2. Nuno
    Esta história é verdadeira, passada nos inícios do século passado com uma pessoa/figura proeminente da Beira.
    Tenho a história resumida numa prancha, a cores, levada á contracapa de uma publicação que dirigi e da qual saíram 12 números anuais (240 páginas em papel couché), com o título genério de "Almanaque Bandarra".
    Um abraço

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