quinta-feira, 10 de março de 2016

ENCICLOPÉDIAS ALEGRES (1) - IMPOSTOS


Trazer aqui assuntos com este tema, ainda para mais com a palavra alegre, não deixa de causar alguma perplexidade a todos, se exceptuarmos o ministro das Finanças por uma centena de razões. Descansem todavia os já sobrecarregados, que a maioria dos assuntos que trarei a conta-gotas a este pórtico fazem parte da tributação de tempos idos, ressalvando algum caso que possa servir à reposição de imposto análogo para satisfazer as exigências troikistas.
Assim, hoje refiro a COLHEITA, sabendo de antemão que, mesmo sem este designativo, nunca deixou de figurar no cardápio fiscal dos governos em qualquer parte do mundo.

Colheita deu origem ao termo que hoje, em termos fiscais, chamamos colecta. Este não era um imposto individual, do género que recai sobre aquele que planta uns bacelos para colher uvas e espremê-las para fazer vinho ou outro que semeia um campo de trigo para  depois o ceifar. A Colheita tributava colectivamente os concelhos e não admitia refractários. Consistia no fornecimento de víveres para a mesa real e toda a corte aquando da passagem do séquito pelas povoações. Consistia no aboletamento do grupo, a maioria provindo do Paço, mas não significava colecta em dinheiro sonante. Era uma verdadeira colheita nos celeiros, nas adegas e fornos públicos, com grande chocalhada, graças ao transversal desejo de boa cama e boa mesa dos cortesãos. Terra que recebesse aquela gentinha da Corte era como se abrisse a porta aos foliões do carnaval de Torres Vedras.
Imaginam as exclamações dos ditos: “Olha que rico queijo da serra” – toca a cortar; “olha este presunto que parece um alaúde” – toca a fatiar; “olha ali o salpicão e a chouriça, que deitam um aroma que faz salivar” – toca a deglutir; “olha-me aquele barril que deve ter no seu bojo aquilo que Baco não provou” – toca a sangrar. E tudo a “curtir” de borla!
Ainda hoje, que nos julgamos livres desta Colheita, por não aboletarmos a “troupe” do mando, podemos ter a certeza que o queijo, o presunto, o salpicão e o vinho, lá vão ter à mesma, sem as mesmas voltas. Nos tempos antigos, era uma carga directa, sem intermediários de cobrança e sem execuções fiscais para os relaxados. Era o “imposto na hora”.
Os beneficiados  passavam à prática do ensino bíblico: olha as aves do céu, que não semeiam nem colhem…
Não é de admirar que em termos eclesiásticos também existisse a colheita, esta como oferta, mas que passou a ser pedida como imposto, a que se deu o nome de jantar e parada (mesa e cama), com uns fins equivalentes aos régios, com a diferença de que eram beneficiários o bispo e a comitiva. Enfim, lá estavam os mosteiros obrigados a essa aposentadoria, o que ia dar ao mesmo: o povo, à roda dos mosteiros, contribuía para a aposentação.
No entanto, com o decorrer do tempo, a Colheita, que era na prática uma contribuição de assistência, passou a imposto, pago anualmente por todos os concelhos, através de uma certa quantia, esta em dinheiro sonante e não em géneros.
Colheitores e colheitados eram aqueles que se colocavam nas duas posições de colectores e colectados (se pensarmos em termos do Novo Acordo Ortográfico, este também colheu o “c”), porque colheita também tem o significado de apanha e safra.
Não sei onde os legisladores da idade medense foram buscar o nome do tributo, mas decerto não o retiraram daquele vilão da Marvel Comics, personagem de BD da Saga Aliança, ao fim e ao cabo um humano infectado pelo vírus tecnorgânico, em vez de um vírus tributário.
Sobre a colheita como imposto, é bom presumir que as tais viagens do séquito real continuaram a ser beneficiadas com os alojamentos, sendo a Colheita uma forma de fazer justiça ao termo colecta, hoje em voga. Nem seria de admirar que a existir, ao tempo, uma Protecção Civil em cada região, pusesse a circular um alerta vermelho à aproximação de tão numerosa e devastadora comitiva de “gafanhotos” refinados.

2 comentários:

  1. Com o hábil trato que o autor já nos habituou, mais um delicioso conto com o trocadilho de palavras que apreciei bastante. CumprimenTTos caro amigo e venham mais textos, livros e desenhos.

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  2. Caríssimo Amigo
    Caríssimos Amigos PC e JI do TT

    Um dia, mais tarde, com a vossa ajuda, pode ser que escreva sobre o TT (Todo-o-Terreno), com a ajuda dos peritos que vós sois.
    Até lá, agradeço a vossa visita a este humilde espaço, onde estais autorizados a entrar com jipes e tudo.

    Grande Abraço
    Santos Costa

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