segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

ANO NOVO-SUPERSTIÇÕES VELHAS


As superstições são vividas ao longo do ano; no entanto, com a entrada de novo ano, são inúmeras as que são seguidas e atendidas por larga maioria de pessoas, principalmente ante, durante e após as doze badaladas do dia 31 de Dezembro.
Vejamos algumas:

Champanhe – guarda-se a rolha da garrafa do champanhe aberto na ocasião para festejar o Ano Novo, em lugar secreto, para que traga dinheiro. Também se acredita que é de bom agouro dar três saltinhos com uma taça de champanhe na mão, de modo a que não verte sequer uma gota; há quem leve o costume mais longe, deitando após o conteúdo do copo para trás, independentemente de molhar alguém, porque garantirá a sorte a essa pessoa.

Subir um patamar – acredita-se que se deve subir um degrau, um patamar ou para uma cadeira, na passagem de ano, para que a vida ganhe novo impulso positivo; mas deve fazê-lo com o pé direito primeiro. Não se promete que suba na carreira, principalmente se estiverem “congeladas” as progressões na dita.

Uvas – comer doze passas, cada uma com seu desejo. Aconselho que reservem uma delas para que Sócrates e comandita não regressem ao leme do País, porque para pior, já basta assim.

Calcinhas e cuecas – usar de preferência de cor amarela, porque representa o ouro.

Sapatos – colocar uma nota (no caso, o euro) dentro de um dos sapatos (de preferência, o direito), porque atrai mais dinheiro, uma vez que se acredita que a energia e a abundância entram pelos pés. A propósito, também traz bom augúrio saltar com o pé direito, sem se incomodar muito com os euros aí escondidos, porque mais pisados do que estão pela Europa fora, é impossível. Acautele-se com o cheiro dos pés, principalmente se pretende posteriormente trocar a nota.

Barulho- fazer chinfrineira com tachos e panelas, para espantar os malefícios do ano que finda e impedindo que entrem no novo.

Portas e janelas – devem estar abertas na passagem do ano e as luzes acesas, para assim receber o ano novo com bonomia. É claro que também se estará sujeito a receber o amigo do alheio, mas devemos lembrar-nos que somos “assaltados” com taxas, impostos, alcavalas e portagens, mesmo com tudo fechado.

Moedas – Acredita-se num ano de boa conta bancária se jogarem moedas de fora para dentro de casa; será cauteloso aquele que se prevenir contra a quebra acidental de vidros, cujos seguros (e mais uma vez) se escusam a reembolsar.

Bolsos – Não se deve fazer a passagem de ano com bolsos vazios, mesmo que tenha sido esbulhado pelos mesmos sugadores ao longo do ano e independentemente dos cortes no subsídio de Natal. Lembrem-se que até a mendicidade, neste País, paga imposto.

Objectos – Aconselham a que nenhum objecto partido deve ser mantido em casa, na passagem de ano; eu diria mais, tudo o que tresande a partidos. Deve deitar fora todas as más recordações impressas, como as fotografias de Sócrates e quejandos – possivelmente trará bom augúrio para si e para o País.

Finalmente - Façam o que entenderem, mas sejam Felizes e tenham Saúde. Difícil será esconjurar os resultados dos maus governos, as tróicas e a subida do custo de vida e dos impostos. E lembrem-se que só será bom um Ano Novo se não cometermos os mesmos erros do Ano Velho.


sábado, 17 de dezembro de 2011

Profetas e Profecias

Bandarra, o “obscuro mesteiral” nasceu três anos antes de Nostradamus. Ambos perseguidos pela Inquisição, não puderam declarar abertamente (como convém a todo o profeta que se preze) os factos e as eras dos acontecimentos. Isto faz que não sejam, por vezes, claras as premonições escritas pelos dois profetas, assumindo uma característica hiperbólica, recheada de metáforas e de citações bíblicas.
Se “ninguém é profeta na sua terra”, Bandarra contrariou o rifão. Profecia é – segundo o conceito enciclopédico – o conhecimento sobrenatural e a predição infalível de acontecimentos futuros naturalmente imprevisíveis. A própria Bíblia tem os seus profetas, que são dezasseis: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel, os maiores; Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Nahum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias, os menores.
Para o padre António Vieira, a rusticidade de Bandarra numa vila de interior, justificava-se pela intervenção divina – “se levantou Deus de entre as mulheres uma Doutora que foi Santa Teresa, de entre os Soldados um Apóstolo que foi Santo Inácio” também Deus podia escolher “de entre os rústicos um profeta que foi o Bandarra”
É ainda Vieira, para quem a figura de Bandarra merece respeito, que afirma sobre os profetas – “Isto que nos Poetas é hipérbole, no Profeta é verdade pura, e certa sem encarecimento
E quanto aos outros profetas portugueses?
Em 1541, a Inquisição condenou Luís Dias, alfaiate de Setúbal “por se fazer Messias em Setúbal”. Em 1582, era condenado, por falsas profecias, Afonso dito O Adivinhão. Dois anos depois, cabia igual condenação a um tal Pedro Afonso. Em 1638, deste anátema não escapou João Lopes dito O Idiota.
Latino Coelho define desta guisa os profetas: “primeiro adivinham vagamente, depois afirmam com ousadia... A princípio profetas, depois mártires, finalmente semideuses”.
Juntaram-se outras figuras menores, porquanto populares, como o caso do Pretinho do Japão, um profeta do séc. XIX, que baseava as suas profecias nas de Bandarra. A este veio juntar-se o vate Pimentel, tendo saído a lume um livro com a data de 1849, impresso na Tipografia de E. J. da C. Sanches, cujo título é bastante sugestivo: Profecias profetizadas pelo Pretinho de Japão, e por Gonçalo Annes de Bandarra./ Augmentadas com as verdadeiras profecias do Vate Pimentel, profetisando os grandes acontecimentos que tem accontecido em differentes nações, desde 1847, até ao presente; e de feturo até o anno de 1856.



Neste tempo em que Portugal se vive das dificuldades de um País que foi mal governado, e se remenda com esbulhos e parciais formas de tributar, é bom que se leia nos profetas o destino que Fernando Pessoa viu nas trovas do Bandarra.
Bandarra disse:
Também sou oficial,
Sei um pouco de cortiça.
Não vejo fazer justiça
A todo o mundo em geral.

Que agora a cada qual
Sem letras fazem Doutores,
Vejo muitos julgadores
Que não sabem bem, nem mal.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

BRUXAS E FEITICEIRAS - DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO

Vou neste blogue periodicamente publicar, por ordem alfabética (naturalmente), uma Enciclopédia Alegre de Bruxas e Feiticeiras. Publiquei parte deste trabalho na revista NOTÍCIAS MAGAZINE, do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Notícias da Madeira, no nº 440, de 29 de Outubro de 2000.


ABELHARUS
Feitiço inventado pela ficcionista de Harry Potter, faz com que de uma varinha mágica ou enfeitiçante saia um enxame de abelhas, as quais podem até atacar o feiticeiro, pelo que na dita escola de Hogwarts é ensinado aos alunos do 4º ano.

ABONO DE FAMÍLIA
Forma de assistência que é enquadrada no esquema de segurança social, a que as bruxas não têm acesso (pelo menos, com o cartão profissional que é suposto terem, para além do número de contribuinte, a que ninguém escapa). Também não precisam, porque o Diabo é a sua Segurança Social. Enfim, tal como ao comum dos portugueses, às vezes até parece que a sua Segurança Social é o diabo.

ABRACADABRA
É uma palavra de origem cabalística formada por letras dispostas em pirâmide de seis linhas.
Com este título há uma comédia que passou ao cinema dirigina por Kenny Ortega. Narra a história de 3 bruxas que têm a (in)felicidade de serem transportadas até ao séc. XX, tendo de enfrantar três crianças e um gato palrador, que são o cabo do trabalhos.

ACTORES
Os actores não gostam de interpretar a peça de Shakespeare, MacBeth, porque nela se canta uma “canção das Bruxas”, o que atrai o mal e o azar.

ACTUAÇÃO
As bruxas costumam entrar pelos buracos das fechaduras das portas ou pelos buracos nos telhados. Quando entram nas adegas, utilizando o tal método da fechadura, bebem o vinho. Tocam pandeireta quando dançam, cantam desafinadas como um coro de ébrios, soltam sonoras gargalhadas e dançam à roda, de mãos dadas.
Quando pretendem embruxar alguém, apanham a terra da pegada do pé direito que essa pessoa deixou, atam-na a um pano e atiram-na à cova de um defunto. Assistir a tudo isto não é lá muito divertido.

AFOGAMENTO
O teste do afogamento era praticamente por débeis mentais sobre aquelas ou aqueles que eram julgados com poderes de bruxaria ou feitiçaria. Deitavam a vítima num rio: se morresse afogada, não era bruxa, mas lá se foi para o outro mundo; se se salvasse, então era bruxa e passava também para o outro mundo, queimada viva.

ALHO
Para quem queira afugentar as bruxas, nada melhor do que trazer um rosário de cabeças de alho ao pescoço. O mesmo efeito se concretiza ao mastigar-se um dente de alho.
Ressalva-se, porém, o odor do dito, que terá o condão de não afastar apenas as bruxas.

ALTERNATIVA
Tal como acontece na tauromaquia, em que o toureiro, bandarilheiro ou cavaleiro, são investidos nas respectiva categorias, as bruxas também recebem a sua investidura; não em estoques, bandarilhas ou farpas, mas porventura em varinhas, alhos porros ou vassouras voadoras, à moda antiga.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

LAMPIÃO E JOSÉ DO TELHADO










Quando se fala de Lampião e José do Telhado, entra-se na esfera de dois mitos. Lampião nada tem a ver com a forma como é conhecida a equipa do Benfica; José do Telhado, não assentava telhas nem andava, como os gatos, sobre os telhados das casas.
José Teixeira da Silva nasceu no lugar do Telhado, freguesia de Castelões de Recezinhos (Portugal) em 1818; daí, José do Telhado. Virgulino Ferreira da Silva nasceu na Serra Talhada (Brasil) em 1898, 80 anos depois do português, mas ambos no mês de Junho; dai que se devia chamar Virgulino da Talhada, não fosse ter recebido a alcunha por ter alterado a sua arma de forma a que o seu cano ficava rubro como um lampião quando disparava.
Não se conheceram, muito embora José do Telhado estivesse refugiado uns tempos no Brasil e Virgulino nunca visse as terras de Portugal. Virgulino nasceu quando José do Telhado já havia falecido há 23 anos.
Ambos são vilões que a tradição virou ou transformou em heróis. Assaltavam, roubavam e matavam.
Diferenças entre eles:
Lampião tinha uma companheira, Maria Bonita, que fazia parte do bando; José do Telhado era casado com Maria Lentine de Campos, mas a sua companheira estava afastada da vida de meliante do marido.
Lampião era míope e usava óculos; José do Telhado tinha uma visão perfeita, quer de noite quer de dia, tendo mesmo combatido e morto um dos do seu bando num combate às escuras, em casa deste.
José do Telhado usava umas soberbas barbas até ao peito; Lampião, se por acaso não andava escanhoado, não usava barba.
José do Telhado teve a fama de roubar aos ricos para dar aos pobres; Lampião roubava para si e para os seus.
Lampião compôs uma cantiga popular; José do Telhado não demonstrou qualquer sensibilidade poética ou musical, apesar de ter convivido, na prisão, com o escritor Camilo Castelo Branco.
Lampião foi morto pela polícia, tendo sido decepada a sua cabeça, bem como da companheira; José do Telhado morreu no desterro, em África.
Em comum:
Tanto a companheira de um como a do outro chamavam-se Maria.
Assaltavam quintas e fazendas.
Tinham mais de três dezenas de homens sob o comando, conhecidos por alcunhas ou sobrenomes que demonstravam as suas manhas e características.
A extrema coragem que demonstravam em combate e na liderança de homens difíceis de conduzir e dominar.
Lampião está no cinema através do filme realizado por Benjamim Abrahão, em 1936, e na novela Mandacaru, de 1997, da Rede Manchete; José do Telhado tem dois filmes com o seu nome, um de 1929, realizado por Rino Lupo e outro realizado por Armando de Miranda em 1945.
Nas imagens que ilustram este texto: José do Telhado, de barba, ao lado de seu irmão; Lampião, com chapéu de cangaceiro ao lado de Maria Bonita, sentada, tendo junto os cães Ligeiro e Guarany.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

IGESPAR E MAGRIÇO - II

Lá emendou o IGESPAR a incorrecção referida no penúltimo post. Mas fê-lo apenas na data, retirando o ano de 1812; ou seja, sabendo que era uma incongruência, não houve nenhum historiador da casa que corrigisse o erro com a data efectiva, que eu ofereci de bandeja no meu e-mail e no meu post, com precisão do ano, dia e mês. Optou por simplesmenete retirar a data, apenas a data!
Assim, continua a distorção da conjugação de "visitado" com "fortaleza" (masculino em vez de feminino), a ausência do ano (pelo menos do ano), a explicação sobre se o castelo continua em ruínas até "à actualidade" e onde foram beber essa patranha de que o Magriço nasceu em Penedono!

terça-feira, 9 de agosto de 2011

IGESPAR E O MAGRIÇO

A propósito do meu post anterior, enviei para o IGESPAR um e-mail onde alertei para algumas incongruências, de entre as quais a data de nascimento de Alexandre Herculano, historiador que está a ser objecto de homenagem por parte daquele instituto.
No portal do IGESPAR, com o endereço referido no meu post, encontra-se:

"No século XV, ainda não totalmente com a configuração actual, o castelo é apontado como o local de nascimento de D. Álvaro Gonçalves Coutinho, celebrizado por Luís de Camões com a alcunha de "o Magriço". A história em que tomou parte pode considerar-se o paradigma da mentalidade cavaleiresca medieval, em que doze cavaleiros portugueses partiram para Inglaterra para, em torneio, defrontar outros tantos ingleses que haviam injuriado a honra de doze damas da corte dos Lancaster.
Visitado por Alexandre Herculano em 1812, a fortaleza de Penedono já se encontrava em ruínas, assim permanecendo até à actualidade. Em 1940, no âmbito das comemorações dos Centenários, promovidas pelo Estado Novo, o castelo foi alvo de intervenções de restauro. Alguns panos de muralha e torres, que se encontravam danificados, foram parcialmente reconstruídos, aproveitando-se a ocasião para lajear pavimentos e beneficiar os acessos. Novos trabalhos ocorreram em 1949 e 1953, mais vocacionados para a consolidação de estruturas, o que contribuiu para que o conjunto chegasse até à actualidade em relativo estado de genuinidade."

Como não obtive resposta, enviei um segundo e-mail, mais “durinho”, que reproduzo:

“ Ex.mo Sr.
Dr. GONÇALO COUCEIRO
Director do IGESPAR

Reporto a mensagem do dia 5 de Agosto, cuja leitura da vossa parte - se é que a teve - não mereceu qualquer comentário ou o simples acusar da sua recepção. Leva-me a crer que, se algum património não é devidamente cuidado, os próprios valores culturais históricos e a língua portuguesa também o não são.
Para além da incongruência apontada no e-mail anterior (repito, que se reporta), vejamos nesta simples frase aposta no vosso portal e relativa a este assunto:

"Visitado por Alexandre Herculano em 1812, a fortaleza de Penedono já se encontrava em ruínas, assim permanecendo até à actualidade."

Um lapso ortográfico - Em vez de "visitado" devia estar visitada, uma vez que conjuga com fortaleza, no feminino;
Um lapso de pormenor histórico - como é que Alexandre Herculano visitou a fortaleza de Penedono em 1812, se nasceu em 1910?! Até o podia ter feito, ao colo dos pais, mas não teria certamente elaborado os apontamentos que conhecemos;
Outro lapso de pormenor - se a fortaleza se encontrava em ruínas, V. Exª. ainda acha que "na actualidade" se encontra em ruínas?
Por outro lado, existe um erro histórico, que é considerar a mátria do Magriço em Penedono; mas este é um lapso que se propagou (propagandeou) sem bases científicas, a coberto do talante de interesses e de uns apontamentos de viagem do próprio Alexandre Herculano. O Magriço nasceu em Trancoso - tal como os cavaleiros ingleses do pretenso desafio dos 12 de Inglaterra , haja quem me contradiga na justa de documentos e de razões.
Enfim, se o primeiro e-mail não obteve resposta, este provavelmente não a obterá. Como diz o povo, "eu fico naquilo que me parece...", porque em muitas circunstâncias aquilo que parece...é! No entanto, Sr. Director, mande corrigir os lapsos apontados ou, se bem o entenda, pois está no seu direito, deixe-os tal como estão, tal como os monumentos que é suposto preservar.”

Desta feita, veio a resposta e a justificação, que aceito, conforme reproduzo a seguir:

“Exmo. Senhor
Relativamente ao lapso cronológico identificado na ficha correspondente ao Castelo de Penedono e à estadia de Alexandre Herculano, cumpre informar que foi de imediato solicitada aos nossos serviços a correcção da informação ali constante.
Por razões de gestão do sistema informático do IGESPAR, as alterações feitas ao conteúdo das fichas apenas estão disponíveis para os consulentes cerca de 24h depois, pelo que não pôde, ainda, proceder à sua verificação. O aviso de alteração, que o IGESPAR faz sempre e em qualquer circunstância a todos os que fundamentadamente as solicitam, também só é feita depois de disponível on-line, razão pela qual a resposta à sua reclamação não foi imediata, facto pelo qual nos desculpamos.”
Emendam a data, possivelmente os erros apontados, mas há um que resta corrigir: o castelo de Penedono, é de Penedono; o Magriço é de Trancoso, onde nasceu.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

MAGRIÇO NASCEU EM TRANCOSO











MAGRIÇO NASCEU EM TRANCOSO
O Magriço nasceu em Trancoso no último quartel do séc. XIV e não em Penedono, como se verifica em muitos escritos. De todas as razões, a mais importante é aquela que nos garante que o pai era alcaide de Trancoso a partir de 1360 e aqui travou a batalha de 1385 contra os Castelhanos.
Sobre algumas “enormidades” que encontro escritas e sobre a teimosia de alguns em seguirem um mero palpite atribuído (repito, atribuído) a Alexandre Herculano, que dá o Magriço como nado e criado em Penedono convido-os à leitura do que se segue, do princípio ao fim.
Sabe-se que o Magriço é pseudónimo de Álvaro Gonçalves Coutinho, que lhe terá sido atribuído, não por ele ser magro (o que não corresponde às capacidades de um cavaleiro que participa numa justa a cavalo) mas por ter nascido, tal como D. Afonso Henriques, enfezado e pouco cheio de carnes. As alcunhas eram sinalizadas, a nobres deste quilate, desde tenra idade ou ainda por feitos ou atributos em combate ou por características familiares. Porventura outras terão surgido após a morte ou por erróneas deturpações de vocábulos, como acontece com aquela de “GUERRILHEIRO” que a Câmara de Penedono lhe atribui (ao Magriço) no seu portal. Leia-se a primeira linha em:
http://www.cm-penedono.pt/magrico.htm
Terão querido dizer “GUERREIRO”?
É que guerrilheiro é todo aquele que pertence a um bando armado que ataca o inimigo fora do campo ou em emboscada (GEPB, volume 12 página 868) ou que pertence a bando de ladrões. Já guerreiro tem o significado de belicoso, aguerrido, guerreador, soldado, combatente (ver o verbete nessa mesma enciclopédia ou em qualquer outro dicionário).
A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, que é considerada obra de referência, “mete os pés pelas mãos”, designadamente na página 940 do Volume XV, nas entradas “MAGRIÇO.GENEAL”, da primeira coluna e “MAGRIÇO” da segunda coluna, talvez devido ao facto de não serem ambas do mesmo autor. Vejamos.
Referindo-se ao pai do Magriço – Gonçalo Vasques Coutinho” diz a obra citada: “Vasco Fernandes Coutinho, senhor do couto de Leomil, meirinho mor do Reino na comarca da Beira, vencedor dos Castelhanos na batalha que lhes deu junto de Trancoso, em cuja vila habitava (…) casou com D. Brites Gonçalves de Moura”, conforme se certifica na coluna um daquela página; na segunda coluna da mesma, expressa: “ Alexandre Herculano, visitando Penedono em 1867 (onde foram retirar esta data?), numa jornada pela Beira Alta, conseguiu apurar que o famoso castelo daquela localidade fora morada dos antecessores do Magriço”.
Que eu saiba e o que tenho lido, é que Herculano fez uma viagem pelo País em 1853-1854, partindo de Lisboa com o seu amigo e paleógrafo José Manuel da Costa Basto. O relato dessa viagem encontra-se descrito por ele próprio em “Scenas de um anno da minha vida e apontamentos da viagem” editado em 1934, com prefácio do Dr. Vitorino Nemésio. Já tinham sido publicados os mesmos apontamentos em 1914, no “Archivo Historico Português”, graças ao Dr. Pedro de Azevedo. Em ambas as publicações dos apontamentos retirados do caderninho de viagem de Herculano, já este havia falecido.
Sabem o que ele escreveu sobre Penedono? Que era uma povoação decadente e que, quanto ao castelo, “é uma espécie de grande torre sobre uns penhascos mais elevados”. A 14 de Agosto, um domingo, esteve nos Cancelos e dois dias depois em Numão, a 17 na Meda, lembrando aqui os nabos prodigiosos com mais de meia arroba, a 18 em Ranhados e em Penedono, regressando aos Cancelos para dormir.
Em Trancoso não foi bem recebido; melhor, a 20 de Agosto esteve em Moreira de Rei (onde não indicou certezas sobre a casa onde esteve D. Sancho II, antes do exílio), seguindo para Trancoso, onde nos apontamentos não indica especificamente a data das muralhas de Trancoso, apontando como sendo do século XIV ou XV(!). Sobre o castelo escreveu que “só parece primitiva uma espécie de torre de menagem”. Uma espécie? Mas que raio de historiador me parece este? Em Penedono diz que o Magriço residiu ali; em Trancoso não atina com a torre de menagem?
Não dormiu em Trancoso, talvez porque nenhum senhor da terra lhe ofereceu hospedagem. Foi para os Falachos (actualmente lugar da freguesia de Tamanhos, concelho de Trancoso) que disse ser de António Maria e que classificou como “a casa mais confortável do distrito mas sem opulência”. Só lhe faltou afirmar que teria ali nascido o Magriço.
Por outras pesquisas, designadamente em portais, publicações e sítios da internet que afirmam que o historiador ali esteve a mandar “palpites”, ficamos a saber (ou a pasmar) que foi em 1820 que Herculano esteve em Pendono (!!!) Não é possível chegarmos a tal ridículo! Veja-se, por exemplo nos sítios seguintes, que dão a visita em 1812:
http://mjfs.wordpress.com/2008/11/29/castelo-de-penedono-ou-castelo-do-magrio-viseu/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Castelo_de_Penedono
Esta mesma Wikipédia dá Herculano como nascido em 1810, o que é correcto, em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_Herculano, afirma a mesma que o homenzinho esteve em Panedono em 1812…! Haja uma alma caridosa que lhes aponte o erro, que eu não tenho pachorra!...
http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/detail/70451/
Até o IGESPAR????!!!!! A dizer que Herculano, nascido em 1810 esteve em Penedono em 1812 e a afirmar que lá é que era a terra do Magriço?!
Se Herculano nasceu a 28 de Março de 1810, como é possível que, com 10 anos ou com apenas 2, já afirmasse ser Penedono a terra do Magriço? Ou talvez, por ter “dez anos” ou “apenas 2” a afirmação saiu assim gratuita?
Levantam-se três questões.
A primeira, relativamente à Grande Enciclopédia, quando se diz que Vasco Fernandes Coutinho foi vencedor da batalha de Trancoso e que residia nesta vila(a batalha deu-se em 1385) – “em cuja vila habitava”. Na coluna dois, já se afirma que “o famoso castelo daquela localidade (Penedono) fora a morada dos antecessores do Magriço”. Em que ficamos? Vivia em Trancoso ou em Penedono?
Vejamos: D. João I fez doação da vila de Penedono (com seu castelo) a D. Gonçalo Vasques Coutinho em 1408, informação que é corroborada pela Câmara de Penedono no seu portal da internet. Isto quer dizer que, se os antecessores do Magriço viviam no castelo, só podiam pagar renda, porque então era da coroa.
Repare-se bem: há um documento, com data de 26 de Dezembro de 1411 (referido no volume 9 da dita Encilopédia, a págs. 290, coluna 2) onde se diz que o Duque da Borgonha e conde da Flandres assinou uma carta de privilégios concedidos aos Portugueses por feitos do Magriço na Flandres, carta essa que se encontra arquivada na Torre do Tombo. Se Penedono passou para as mãos dos Coutinhos em 1408, e se presumisse que o Magriço ali nasceu após essa posse, quer isto dizer que o Magriço prestou o favor ao conde da Flandres com 3 anos de idade?
Em 1400 já era alcaide-mor de Trancoso Vasco Pais Cardoso. Álvaro Gonçalves Coutinho, o Magriço, era filho do primeiro casamento do anterior alcaide-mor de Trancoso – Gonçalo Vasques Coutinho – e de Leonor Gonçalves de Azevedo, que residiam em Trancoso desde 1360, altura em que o Gonçalo Vasques foi nomeado alcaide-mor de Trancoso e onde disputou a batalha 25 anos depois.
Como é que o sr. Alexandre Herculano, se fosse agora vivo, justificaria o nascimento e a residência do Magriço em Penedono, se nessa altura o pai não era dono da vila e do castelo, não era alcaide de Penedono e lá não havia maternidade? Ao menos, se tivesse alguma hesitação, esta penderia entre Leomil e Trancoso ou Lamego, pois Gonçalo Vasques Coutinho era senhor do Couto de Leomil, também desde 1360 e alcaide de Lamego desde essa mesma data.
A segunda, quando afirma que Vasco Fernandes Coutinho foi vencedor da batalha de Trancoso. É errado! O vencedor da batalha de Trancoso foi Gonçalo Vasques (ou Vaz) Coutinho, filho desse Vasco.
A terceira, quando nos traz a notícia de que Alexandre Herculano, na sua visita a Penedono, “conseguiu apurar” que o famoso castelo daquela vila tinha sido morada dos antecessores do Magriço. Como é isto possível? Um historiador visita uma localidade, um castelo, e daí tira conclusões sem ver documentos, vestígios ou gravações que possam permitir sérias afirmações como as deste jaez. Como é que ele conseguiu apurar, baseado em quê?
Repare-se que Herculano afirma - alvitra, melhor dizendo – que era morada dos antecessores do Magriço; não diz que era morada ou local de nascimento do Magriço e não especifica quem eram os antecessores – pais, avós, bisavós, tetravós?
Pois bem, num documento autêntico, manuscrito do séc. XVI, que se encontra na Biblioteca Pública Municipal do Porto – e que o Sr. Herculano não viu, mas que o Dr. A. De Magalhães Basto viu, leu e divulgou em 1935 – encontra-se Trancoso como a terra de um dos cavaleiros e nada de Penedono (vejam “O Essencial sobre os Doze de Inglaterra”, de A. De Magalhães Basto, publicado pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda , em 1986). Alvitra o autor que terá sido este ou outro documento idêntico que terá permitido a Camões levar este episódio dos Doze de Inglaterra aos Lusíadas pela boca de Veloso. Esta mesma afirmação faz a Grande Enciclopédia citada, na coluna um da página 290 do volume 9.
Lê-se ainda na Wikipédia”que
“A actual configuração do castelo remonta aos fins século XIV, quando D. Fernando (1367-1383) incluiu a povoação no termo de Trancoso.
(Pois bem, logo Penedono a pertencer a Trancoso até vésperas da crise 1383-1385).
“Diante da intenção da edilidade de arrasar o castelo de Penedono, os homens-bons desta vila insurgiram-se, logrando a sua autonomia. Esses domínios foram então doados a D. Vasco Fernandes Coutinho (Marialva), senhor do couto de Leomil, que fez reconstruir o castelo.
No contexto da crise de 1383-1385, tendo falecido na Primavera de 1384 o alcaide de Penedono, Vasco Fernandes Coutinho, sucedeu-o na função o seu filho, Gonçalo Vasques Coutinho. Leal ao partido do Mestre de Avis, foi-lhe confiado, no início de 1385 o encargo de chefiar as forças do Porto que conquistaram o Castelo da Feira. Posteriormente, distinguiu-se, por mérito, na batalha de Trancoso (Maio de 1385), o que lhe valeu a promoção ao posto de marechal. Acredita-se que, no castelo de Penedono, tenham nascido os filhos deste alcaide…”
(Alto aqui! Se os filhos nasceram no castelo, por que razão a edilidade daquela vila, como atrás se diz, quiseram arrasar o castelo? Para apagar os vestígios do “nascimento” ou para colher, das ruínas”, os do mesmo “nascimento”? E se o pai do Magriço foi alcaide de Penedono a partir de 1384, como se justifica que o Magriço participasse no torneio de Londres, que se situa entre 1390 (justas de Ricardo II de Inglaterra e de João de Gaunt) e 1395? Com 6 anos ou com 11 anos ?)
“Os domínios de Penedono e seu castelo são referidos, no século XVII, associados aos Lacerda, que então usavam honoríficamente o título de seus alcaides-mores.”
“O castelo foi visitado por Alexandre Herculano em 1812, que o descreve, à época, como já em ruínas.”
(Lá está outra calinada, o ano de 1812. Se Herculano nasceu em 1810 …)
“Em 1940, no âmbito das comemorações dos Centenários, promovidas pelo Estado Novo português, o castelo foi alvo de intervenções de consolidação e restauro de panos de muralhas e de torres, parcialmente reconstruídos, a cargo da Direcção Geral dos Edifício e Monumentos Nacionais. Novos trabalhos tiveram lugar em 1943 em 1953, permitindo que o conjunto chegasse até aos nossos dias relativamente bem conservado, mas ainda carecendo de obras em seu interior.”

A finalizar, tal como comecei.
Se Gonçalo Vasques Coutinho, alcaide–mor de Trancoso residisse em Penedono, vila que fazia parte do termo de Trancoso desde 1367 (ou seja, estava anexada a Trancoso), por que razão havia ele de viver na periferia da sua alcaidaria, numa terra que só lhe seria doada em 1408? E, caso o tivesse feito, como vivia ele num castelo que, nessa mesma altura, estava a ser reconstruído? E como se deslocava até Trancoso, onde exercia o seu “mandato”?
A única resposta que nos surgirá, deve ser: mas Herculano assim o afirma!
Olhem, meus caros, estimo que Herculano não tenha dito que as cortes de Portugal eram em Madrid ou em Salamanca!
Espero que, sem desprimor para os de Penedono (que também é terra que foi da posse dos Coutinhos), ser o Magriço de Trancoso. Em Trancoso, no palácio Ducal está um túmulo dos Coutinhos, em que se encontram lavradas na pedras as estrelas das suas armas. Lembro ou informo que o Magriço tinha armas próprias: três aspas de vermelho em fundo dourado.
O teatro Nacional de D. Maria II foi inaugurado, em 13 de Abril de 1846 com uma peça de Jacinto Aguiar de Loureiro com o título: " O Magriço e os Doze de Inglaterra". Vejam o original e descubram aí o termo Penedono e mandem-me recado.

A propósito: sabem como abre a cena primeira desta peça (que ganhou o concurso aberto em 1846)? Começa assim: "A Scena passa-se no alcácer do Castello de Trancoso(...)" Suponho que o sr. Alexandre Herculano terá assistido à mesma, pois é sua contemporânea. Mas, enfim, sabendo nós que Herculano tomou os apontamentos de viagem num caderninho, e que não fez tenção de os publicar (pois só depois de morto lhe fizeram esse serviço), não admira que as suas impressões ou palpites não se baseassem em investigação coerente, da qual era perito.
Espero, pois, que a cidade de Trancoso preste homenagem a esta figura através de estátua condigna e que levem à cena a peça de teatro que abriu o grande Teatro de D. Maria II.

terça-feira, 26 de julho de 2011

domingo, 10 de julho de 2011

DREAMS - COMO INTERPRETAR OS SONHOS





SONHOS

- Quando se sonha com um haver durante três dias a fio, é certo que ele se encontra no sítio com que sonhou.

- Quem sonhar três noites seguidas com dinheiro enterrado e não revelar esse sonho a ninguém, encontrará o tesouro.

- Quando se sonha com carne, é sinal de que alguém vai morrer.

- Sonhar com dinheiro é sinal de pobreza.

- Sonhar com excrementos é sinal de dinheiro.

- Sonhar com peixes é sinal de dinheiro.

- Sonhar com cobras é sinal de dinheiro.

- Sonhar com água muito limpa, são lágrimas.

- Dá sorte encontrar um trevo com quatro folhas.

- Sonhar com ovos é chocalhada (mexericos).

- Sonhar com um cemitério é sinal de herança.

- Sonhar com azeitonas é sinal de que se vai rece-ber carta.

- Quando se sonha que uma pessoa morreu, é sinal de que essa pessoa irá viver muito tempo.

- Sonhar que cai um dente é morte de parente.

- Sonhar com uvas brancas é sinal de lágrimas; se forem pretas, é carta.

- Sonhar com meninos é sinal de novidades.

- Sonhar com gatos é sinal de ralhos e zaragatas.

- Sonhar com cerejas é sinal de casamento.

- Sonhar com água suja é sinal de desgosto.

- Quem se vira na cama depois de ter sonhado, esquece o que sonhou.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A MULHER QUE MATOU OS FRANCESES


Em 16 de Outubro de 1810 as ruas de Trancoso foram pisadas pelas botifarras dos invasores franceses, que seguiam a toque de caixa ao mando do general Ney. Era uma horda de pilhadores, que davam ao diabo a cardada e profanavam lugares santos, destruíam e incendiavam. Natural foi a retirada dos moradores, prontos para livrarem o corpinho do embate com uma força tão desigual em número e armas. É claro que os de Trancoso deixaram as casas e as ruas desertas entregues à canzoada e a outros bichos de quatro patas para quem os franceses não representavam mais do que outros tantos de duas, prontos a correrem as botas pelas suas magras costelas. Da pouquíssima gente que teve a coragem de ficar ou a impossibilidade de fugir, contou-se uma mulher ainda nova, com a sua casinha na rua do Bandarra. Todo o seu receio não era superior ao ódio que nutria pelos saqueadores e intrusos, pelo que, no seu tino e inteligência, maquinou de forma a fazer das suas. Postou-se então à porta de casa, com a sua nesga de perna à vela, por via de endoidar todo o soldadinho que a visse. Na verdade, não era preciso bradar aos quatro ventos que ali havia fêmea liberal, pois os soldados, bufando como toiros, trocavam a loucura da guerra e a águia imperial pela doideira do regabofe. Nem sequer era preciso bate-língua, que a mulher não conhecia patavina de francês e eles outro tanto da lusa fala. Desse modo recebeu ela o primeiro concorrente, que a acometeu de improviso. Abriu-lhe a porta da casa e, por gestos, convidou-o a instalar-se. Assim cativou ela o homenzinho, já dobrado ao terno jogo dos prazeres e sem suspeitar que a hospedeira o desejava riscar do activo. Caído no logro, o soldado relaxou alguns receios, abandonou a arma a um canto e transformou-se em mansíssimo cordeiro, para inglória do seu imperador. Mal o apanhou de feição, que o mesmo é dizer desprevenido, a mulher desferiu-lhe no toutiço uma valente machadada, que o deitou por terra sem sopro de vida. Em seguida, transportou o corpo a pulso até ao poço (que existe dissimulado em quase todas as casas de Trancoso) e chapou com ele lá para dentro. Apagou com ligeireza os vestígios da façanha e preparou-se para a próxima vítima, saindo para a porta, sorridente como se nada fosse, a exibir a nesga de carne. Com esta artimanha arrumou cinco franceses e mais teria passado para o alçapão, não fossem os acasos da guerra fazerem os soldadinhos abandonarem a vila. Não deixaram saudades.

Santos Costa (do livro CONTOS TRANCOSANOS)

segunda-feira, 14 de março de 2011

O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO (LENDA)


Professou no Convento das freiras de Santa Clara, em Trancoso, a veneranda Madre Francisca da Conceição, natural de Freches, a quem são atribuídos muitos milagres por sua intercessão. Sobre a vida e milagres desta freira, falecida em 14 de Maio de 1711, o Padre Simão Cardoso Pacheco, da paróquia de São Pedro de Trancoso, escreveu uma interessante obra, levada á estampa no ano de 1738
Sobre as obras e milagres de Madre Francisca fez-se, ao tempo e após a sua morte, uma prova testemunhal, com vista à sua canonização, o que não veio a acontecer.
De entre esses milagres, remete-se a este trabalho aquele que, entre outros, diz respeito à vida do próprio convento, conforme com a fama de milagreira de Madre Francisca e do seu Menino. Foi o caso acontecido com a Madre Soror Isabel de S.João, celeireira do convento, que se viu, certo dia, sem pão na tulha para abastecer a comunidade. Varreu todo o grão que pôde na tulha mas, para desespero seu, faltava-lhe o equivalente a duas fanegas para a satisfação de uma semana.
A desconsolada Soror Isabel correu à cela de Francisca e expôs a esta, com a atrapalhação própria dos ansiosos, a falta do grão necessário ao fabrico do pão, que saía dos fornos com o peso de vinte e cinco arráteis cada um.
— Não há-de ser difícil arranjar essas duas fanegas que lhe faltam, Madre Soror Isabel de S.João— terá sossegado Madre Francisca.— Mande varrer novamente a tulha, porque muitas vezes fica entre as aberturas da madeira algum pão. Tudo junto, poderá remediar a falta.
Outra qualquer pessoa, que não conhecesse Madre Francisca, poderia julgar que aquele conselho não passava de zombaria. Tal não sucedeu com Madre Isabel de S.João que, logo,logo, correu até à tulha, cheia de fé, na companhia de uma das serventes. Trataram de varrer e sacudir quanto pão puderam descobrir nas fendas da tulha, nas frinchas do soalho de madeira e nos cantos. Porém medido, não chegava a uma fanega.
— Fiz o que aconselhaste, Madre Francisca — voltou ela, desesperada e com menos fé— mas apenas conseguimos menos de metade do que é necessário. Fazei com que o vosso Menino me acuda nesta necessidade.
— Vá, filha, aonde esse apareceu, poderá haver mais algum grão. Tenham paciência e varram bem a tulha outra vez, que Deus está por nós e não nos faltará.
Voltou a Madre celeireira à tulha, desta vez com fé redobrada. Ela bem sabia, e a servente tinha sido concorde, que a fanega anterior surgira por um milagre e que na tulha, varrida e bem varrida, não tinha ficado um único grão para amostra.
Mal entraram na tulha, a servente deixou escapar uma exclamação:
— Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Nesta tulha não deixamos qualquer grão esquecido e agora vejo pão que nós não tínhamos deixado!
Sem grande dificuldade na busca dos grãos, var-reram mais uma vez a tulha. E, depois de medido, verificaram que ainda lá havia cinco alqueires, o bastante para suprir e sobrar a ração semanal.
A madre Isabel e a servente, com os olhos rasos de lágrimas, não se contiveram que não ajoelhassem no meio da tulha. Alma grande e admirável era a de Madre Francisca da Conceição para merecer a bênção do Senhor e a excelsitude da sua magnanimi-dade!

terça-feira, 8 de março de 2011

NO ESTRANGEIRO - O GESTO É TUDO



NOTA: este artigo, da minha autoria, foi publicado na revista "Notícias Magazine"

Para si, que gosta de viajar, leia o que segue. Para si, que “sai para fora cá dentro”,
não desdenhe a mesma leitura. Saibam todos que há gestos interditos
e etiquetas recomendadas para quem contacta com outras gentes
de outros países e de outras civilizações .
Se não poder decorar, leve consigo uma cópia desta peça. Depois não se queixe
que foi mal recebido pelos autóctones!


Contou-se e registou-se uma célebre gafe de Richard Nixon, então presidente americano que, numa visita à América latina nos anos 50, saudou à chegada com aquele gesto tipicamente americano para dizer OK. Formou com os dedos polegar e indicador da mão direita um circulo, sem adivinhar que todos os jornais do dia seguinte trariam nas primeiras páginas aquele sinal de mãos. Alguém lhe explicou, tardiamente, tratar-se de um gesto que, naquele continente, é utilizado como convite a uma relação sexual. Nixon engoliu em seco e deve ter dado uma sova verbal nos seus assessores diplomáticos.
Pior ainda, foi aquela surra que um meu amigo levou na Turquia quando decidiu fazer auto-stop com o punho fechado e polegar no ar, indicador da direcção da boleia. Três turcos carrancudos não gostaram da grosseria de conotações sexuais e injuriosas, supostamente dirigida a eles.
Segundo dizem, os caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém e os cuidados também não. Necessário se torna para os viajantes seguir as regras de etiqueta fundamentais, os costumes e os comportamentos dos indígenas dos países a visitar, pois são claramente distintos dos nossos. Mais cuidado se torna a utilização da linguagem corporal, dos gestos e ademanes.
O cumprimento social
Viaje o leitor para a Rússia e fique a saber: o cumprimento do eslavo, mesmo entre homens, é um beijo na bochecha; mas, esperem, por vezes até na boca! Nos países islâmicos não irá receber o beijo, mas não lhes estenda o “bacalhau”; coloque a sua mão direita sobre o peito, do lado do coração, depois eleve-a até à testa e passe-a pela cabeça, nesta sequência.
Se vir um chinoca, um japonês ou um coreano inclinar-se à sua frente como um girassol, é sinal de que o está a cumprimentar. Você faça o mesmo, inclinando-se o suficiente para reconhecer a dignidade do cumprimentado. A inclinação do corpo e da cabeça é tanto mais intensa quanto maior for o respeito pela pessoa. Na Índia e na Tailândia o cumprimento é mais discreto e cerimonioso. Cumprimentam o visitante juntando as mãos à frente do peito, em prece.
O aperto de mão é o mais comum na maior parte do Mundo. Há quem junte ao aperto de manápulas, à moda latina, um abraço efusivo e umas palmadinhas nas costas. Não o faça perante os escandinavos e, pelas mais elementares regras da etiqueta, quando apertar a mão a alguém evite ter a outra camuflada atrás das costas, na algibeira do casaco ou das calças.
O leitor mais propenso a viagens exóticas, prepare-se para encontrar cumprimentos de indígenas em estado semi-selvagem. Alguns cumprimentam mostrando a língua, outros lambendo as faces do visitante ou esfregando nariz contra nariz. Nem se admire o leitor se viajar pela Nova Zelândia e alguém lhe cuspir nos pés. Tratar-se-á de um maori e está a cumprimentá-lo com todo o respeito. Como é apanágio de alguns portugueses, puxe da saliva e faça o mesmo. Arranja um interlocutor e um amigo.
Gestos de mãos
Um senhor chamado Mario Pei contou 700 000 sinais corporais distintos com que os humanos são capazes de comunicar sem palavras e o estudioso M. Krout contou 5 000 gestos diferentes para as mãos, cada um correspondente a uma expressão verbal. Há quem assegure que comunicamos em 7% pelo conteúdo das palavras, 38% pelo tom de voz e 55% pela expressão não verbal, gestos de mãos e expressões faciais. É sabido que em países estrangeiros, principalmente onde não dominamos a língua, existe a tendência de comunicarmos através dos gestos. Ora, meus amigos, perante autóctones que não compreenderão patavina da nossa língua, nos 55% é que está o busílis. Muitos gestos das mãos e dos dedos, constituem linguagem mimética, quase sempre informativa, por vezes insultuosa, grande parte interdita. É com esta exacta forma de comunicação que se entendem os surdos-mudos, é com ela que os oradores (principalmente os parlamentares) dão ênfase aos seus discursos e verborreias.
Há gestos que não revestem propriamente formas de comunicação. É o caso da pouco higiénica passagem dos dedos pelas cavernas do nariz. Quem “limpar macacos” na Líbia e na Síria pode fazê-lo sabendo que a mensagem passa com o significado de convite sexual. E se, no cúmulo da limpeza ou do prurido nasal, o leitor der em colocar o polegar e o indicador nas duas aberturas nasais, está a insultar o nativo com qualquer coisa semelhante a “vá para o diabo que o carregue”. Contudo, caso esteja nalgum lugar da Arábia Saudita e tenha “pescado o macaquinho”, retirado o dito e enrolado para o lançar algures, pode crer que a pessoa na sua cercania terá esse gesto como uma ameaça de morte e o leitor não saberá árabe suficiente para convencer o indignado do contrário. A sua mãezinha não lhe repetia que o dedinho não se mete no nariz?
Nem só no interior dos canais nasais a linguagem é perigosa. Basta saber que coçar o nariz com o indicador é, na Jordânia, um anódino convite sexual à dama mais próxima de si, tanto mais grave se o respectivo esposo estiver por perto. E o simples sinal de silêncio que se faz vulgarmente colocando o indicador em riste à frente da base da penca nasal, é tido na Síria e no Líbano como uma ofensa ao homem que se encontrar diante. É como se o chamasse pederasta ou homossexual, o que pode não ser o caso, infelizmente para a sua integridade física.
Para infelicidade do amigo que visitou a Turquia – já referido, a abrir – eu não tinha escrito esta peça. Ficou porém a saber que o simples gesto de pedir boleia com o polegar no ar é perigoso para aquelas bandas. Este sinal é originário dos Estados Unidos e serve para conseguir fazer parar as viaturas que nos hão-de conduzir, como penduras, ao local pretendido. Mas esse gesto, quando firme e fixo, pode significar, entre nós, qualquer coisa como OK, super ou impecável. No entanto, no Japão tem o significado de cinco, no Punjab sinónimo de desistência e impotência sexual, a ideia de companheiro e camarada no Japão e insulto de carácter sexual em quase todo o continente africano, Irão, Rússia, Turquia, Austrália e Médio Oriente. Em Espanha, mais precisamente no País Basco, significa apoio à causa separatista.
Não faça estalidos com os dedos indicador e médio para chamar o empregado num café ou restaurante do Japão ou dos Estados Unidos. Essa atitude é tida como desprezo, de tal forma que nem mesmo a pode aliviar através de uma boa gorjeta. Use estes dedos para formar o V de vitória em qualquer parte do mundo, à excepção da Austrália, pois significa para eles, em linguagem lusa, que está a mandar alguém “para baixo de Braga”.
O dedo mínimo não está livre de conotações proibidas. Veja-se, por exemplo, quando se ergue o dedo mínimo, solitário, com o punho fechado, para dizermos que “é o meu dedo mindinho que adivinha”. Na América latina significa que nos regozijamos com a magreza do interlocutor, se ele não for bem abonado de carnes nem tiver aquele aspecto saturado de gorduras e colesterol, enquanto no Japão o mesmo gesto é maliciosamente tomado com o significado de amante. Nesta última hipótese, imagine o leitor que o faz diante do casal seu anfitrião!
Há quem tenha por costume unir o polegar de uma mão com o de outra e o mesmo com os dedos indicadores, formando um losango. Perca este hábito na América do Sul quando estiver diante de uma senhora, pois está a querer dizer que ela é prostituta. Esse losango, segundo os nativos, é a representação manual do órgão feminino e, na dúvida, as mãos nos bolsos livram de valente chatice. O mesmo acontece se, nas mesmas paragens sul americanas, esfregar as mãos (sinal de contentamento entre nós), o que equivale a chamar a senhora de lésbica. A situação seguinte seria imprópria para cardíacos.
Jamais se coloque em frente de um italiano com as mãos juntas, em prece, tendo os polegares erguidos. É como se estivesse a chamar burro ao transalpino e ele não irá gostar da conotação. Na Líbia, o leitor deverá pensar duas vezes antes de colocar a palma da mão no pescoço: se estiver frente a uma mulher ela tomará a atitude por convite ao sexo; se for o marido dela, é como se estivesse a dizer-lhe que é homossexual.
Na Grécia não exiba a palma da mão com os dedos esticados e abertos. Os gregos tomam o gesto como ofensa grave ( a moutza) e o viajante, à conta dele, pode ver-se grego para se livrar de arrelias. Em alguns países africanos pode ter o significado de “filho de cinco pais” para quem for exibido. Na Turquia, o mesmo gesto é visto como um elogio. Já no México, é motivo de desafio estar em frente de um natural com as mãos nos quadris. Outro tabu é cumprimentar um árabe com a mão esquerda. Deve ser utilizada a direita (e nunca a de uma mulher), uma vez que a mão esquerda está reservada para a limpeza das partes íntimas. Nada de beijos e abraços. O mais eficaz é ficar mesmo pelas palavras como “salaam” ou “salaam alaykun”.
Refeições, restaurantes e gorjetas
No Japão pode fazer aquilo que não se atreve a fazer à mesa de um restaurante lisboeta. Chupe o macarrão e o esparguete como se fosse um aspirador, beba a sopa directamente da tigela, sem colher. Na China, nem se importe com os ruídos do sorver, pois é um elogio à cozinheira. É também na China e nos países islâmicos que cai bem ouvir um arroto no final da refeição. A sonoridade do mesmo classifica, numa escala de decibéis, o valor do pitéu. Para mostrar que não quer repetir, fixe esta mensagem “discreta”: chupe os dedos.
Atenção, muita atenção: se é canhoto, pratique com a mão direita o uso da colher e do garfo. Na Índia, Egipto, Marrocos, Malásia, Tailândia e Arábia Saudita, a mão esquerda é indigna de levar o comer à boca. Reservaram para esta os cuidados da higiene das ditas “partes”.
Dirão que os tabus só existem nos países exóticos e de arreigados costumes antigos. Pois então anote que, na Inglaterra, não deve passar o pão nos molhos e, em França, não palite os dentes (manuseando o cure-dent), nem mesmo com a outra mão a servir de biombo.
Na maioria dos restaurantes árabes – pelo menos, os mais tradicionais – as mulheres e os homens sentam-se em zonas separadas. Nestes locais evite sentar-se de perna cruzada com a sola do sapato virada para outra pessoa. Mesmo que, entre os presentes, reconheça o rei do petróleo, nunca aponte com o dedo.
Não convide um árabe para comer carne de porco nem um indiano para degustar um bom bife de vitela; aceite de um japonês uma chávena de chá a ferver e não faça má cara à bebida pouco aromática que um tibetano lhe ofereça; a mulher ocidental não deverá propor um brinde na Alemanha e saiba que ofenderá o anfitrião irlandês ou russo se recusar, sem motivos de saúde, uma bebida alcoólica.
Para evitar um equívoco, não faça a apreciação de um bom prato à anfitriã japonesa colocando os dedos indicadores no lóbulo da orelha. A senhora ficará envergonhada com a descortesia por entender que serviu um prato demasiado quente. No Japão , se tiver de pedir ao empregado qualquer coisa em número de quatro não o faça exibindo os quatro dedos da mão, pois este tomará o gesto com um insulto acima de “besta e quadrúpede”. Na Itália, não se ofenda se o empregado de mesa lhe perguntar se pretende um ou dois “cornicio”, pois trata-se de pepino em conserva. Nem tampouco recuse um aferventado prato de caldo verde se o empregado italiano lhe recomendar na ementa escrita na lista del giorno a afamada “zuppa di cavolo”.
Quanto à gorjeta, pode optar por sair com os trocados no bolso ou esportular qualquer coisa entre 10% e 15% sobre o valor total do serviço, aumentando a percentagem se foi tratado com a excepção reservada aos marajás. Evite dar gorjetas na Coreia do Sul, em Cingapura e no Japão, para que os empregados não fiquem com os olhos em bico.
No geral
A leitora que viaje para um país islâmico deve levar um véu ou um lenço para cobrir os cabelos e prepare-se para assumir um papel de segundo plano, igualzinho ao que reserva ao “caniche” lá de casa. Não vista o vermelho no mês do Ramadão e, se não quer passar por viúva, não use roupas de cor roxa no Egipto.
O leitor não se mostre indignado se a respectiva esposa, de andar donairoso, lhe disser que levou um apalpão num souk (mercado) do Egipto ou de Marrocos, pois aqueles árabes são danados para a brincadeira... com a mulher dos outros, evidentemente.
Os leitores evitem espirrar diante do anfitrião japonês e não se assoem nas ruas da Coreia do Sul. Na Síria não faça expelir o fumo sobre o rosto de uma mulher, uma vez que, para além de uma geral atitude nada polida, é tida por um convite para a cama. No Japão não ria alto de uma anedota nem, no país do Taj Mahal, encare fixamente um indiano, pois sentir-se-á humilhado.
Na Rússia não trate os naturais por camaradas (tavaritch) e, se o leitor é do sexo masculino, evite dirigir-se a uma mulher árabe em público nem a cumprimente com beijos ou abraços, mesmo que esta seja afegã e se esconda por dentro da burka. Nas mesquitas não entre calçado e não se misture na zona das mulheres, se for homem, nem na zona dos homens, se for mulher. Para evitar contrariar a higiene, em Marrocos leve consigo papel higiénico, pois não o encontrará ao lado da sanita.
Ao abanar a cabeça em sinal de sim ou não, saiba o leitor que o sinal por nós tido como de negação tem na Bulgária, Índia e Paquistão o significado de “sim”. E este simples equívoco pode deixá-lo numa verdadeira situação embaraçosa, se não tiver o cuidado primário de saber, na língua nativa, estas duas expressões de afirmativa e negativa.
Antes de viajar, siga o conselho deste arrazoado e consulte um bom guia turístico, mormente aquele que avise sobre atitudes e costumes. Não deixará ficar mal a já pouco afamada cortesia dos patrícios e poderá evitar aborrecimentos e situações críticas que, porventura, não resolverá com um bom punhado de dólares. A não ser que queira passar as férias num hospital. Férias, enfim, para turista esquecer.

domingo, 6 de março de 2011

O HOMEM-MACACO DO AVELOSO




Num País onde se fazem tantas macacadas, não podia faltar a fama e a escama do Homem-Macaco. Albaninho do Mal ou Homem-Macaco do Aveloso, subia por paredes, mostrava possuir uma força descomunal, bebia em grandes quantidades qualquer líquido que encontrasse, trepava a torres, metia medo ao medo. No fundo, no fundo, era uma infeliz criatura a quem acometiam uns estranhos e nunca esclarecidos ataques.
Nascido na aldeia do Aveloso, concelho da Meda, Albano de Jesus Beirão até aos sete anos de idade, foi uma criança como as outras da sua aldeia. O primeiro ataque ia surgir nesta idade. Apascentava então uma cabra, no campo, no mês de Janeiro, altura em que os pais colhiam a azeitona. Acendeu uma fogueira com umas silvas e sentou-se ao redor do lume, de pernas cruzadas. Contou ter visto um pássaro preto voar à sua volta durante algum tempo. De súbito, levantou-se e largou em corrida desenfreada e sem rumo. Era o primeiro de muitos êxtases que lhe transformariam a vida durante 43 anos.
Como se comportava ele na altura dos ataques?
“ Parecia o diabo em figura de gente. Não conhecia ninguém, galopava e escoicinhava, dava uivos… Mas não fazia mal a ninguém, principalmente se fossem crianças. Mesmo com os ataques, se visse uma mulher não se virava contra ela.”
Acima de tudo, os seus conterrâneos não o temiam, conquanto respeitassem a força descomunal e espectaculosa que o Sr. Albaninho tinha. Quando Albano Beirão se metia, por razões da sua estranha sina, em situações perigosas, livrava-se dos apuros graças à ajuda dos bombeiros. Foi assim “pescado” do alto da estátua do Marquês de Pombal e do Arco da Rua Augusta em Lisboa ou da Torre dos Clérigos do Porto. Um bombeiro portuense acabou por morrer quando tentava resgatar daquela torre da cidade invicta o inusitado escalador. Uma testemunha disse a um jornal que o homem-macaco beirão, urrando pelas ruas de Lisboa, decidiu saltar para o tejadilho de um eléctrico, repetindo esta proeza três vezes, perante o pasmo de quem passava.
Pior, confessou certa vez, era desaparecer o ataque e deixá-lo com a cabeça entalada numa sarjeta. A solução era rebentar com a sarjeta ou esperar pelo próximo ataque. Dizia que na baixa lisboeta fechavam as lojas quando ele passava; no Porto exigiam que as autoridades o levassem para onde não houvesse nem eira nem beira ou pé de figueira…
O registo de um curioso acontecimento da sua vida vai a seguir.
Encontrando-se certo dia na praça da vila da Meda, levantou um dos bancos de pedra que estão junto à igreja. Ergueu a pedra e atirou com ela ao chão, partindo-a em duas. Dois guardas que viram o estrago na coisa pública intimaram-no, sob prisão, a comparecer perante o Administrador do concelho, um tal Dr. Faria.
-- Os senhores não sabem quem é este homem? – inquiriu o Administrador.
Os guardas eram novos no quartel, não sabiam.
-- Ponham-se a andar para o Posto, e depressa, antes que ele faça alguma coisa…
-- E as nossas armas? Nós temos armas, podemos dominá-lo…
-- Quais armas, nem meias armas! Vão-se lá embora antes que ele vos ponha de plantão com uma ou duas palmatoadas tesas!
Quando era acometido pelo estado sobrenatural tinha absoluta necessidade de beber líquidos. Fazia-o com uma sofreguidão animalesca, absorvendo grandes quantidades sem cuidar da qualidade do que ingeria. Diziam que conseguia emborcar dezenas de litros, fosse água, leite, água de cal, água de animais, água estagnada ou de chiqueiro e até urina.
Enfim, o efémero remoinho das façanhas extra-normais do dito Homem-Macaco arriscam-se a passarem, para o futuro, como triviais e pouco inéditas macacadas.
Santos Costa