quarta-feira, 30 de março de 2011

A MULHER QUE MATOU OS FRANCESES


Em 16 de Outubro de 1810 as ruas de Trancoso foram pisadas pelas botifarras dos invasores franceses, que seguiam a toque de caixa ao mando do general Ney. Era uma horda de pilhadores, que davam ao diabo a cardada e profanavam lugares santos, destruíam e incendiavam. Natural foi a retirada dos moradores, prontos para livrarem o corpinho do embate com uma força tão desigual em número e armas. É claro que os de Trancoso deixaram as casas e as ruas desertas entregues à canzoada e a outros bichos de quatro patas para quem os franceses não representavam mais do que outros tantos de duas, prontos a correrem as botas pelas suas magras costelas. Da pouquíssima gente que teve a coragem de ficar ou a impossibilidade de fugir, contou-se uma mulher ainda nova, com a sua casinha na rua do Bandarra. Todo o seu receio não era superior ao ódio que nutria pelos saqueadores e intrusos, pelo que, no seu tino e inteligência, maquinou de forma a fazer das suas. Postou-se então à porta de casa, com a sua nesga de perna à vela, por via de endoidar todo o soldadinho que a visse. Na verdade, não era preciso bradar aos quatro ventos que ali havia fêmea liberal, pois os soldados, bufando como toiros, trocavam a loucura da guerra e a águia imperial pela doideira do regabofe. Nem sequer era preciso bate-língua, que a mulher não conhecia patavina de francês e eles outro tanto da lusa fala. Desse modo recebeu ela o primeiro concorrente, que a acometeu de improviso. Abriu-lhe a porta da casa e, por gestos, convidou-o a instalar-se. Assim cativou ela o homenzinho, já dobrado ao terno jogo dos prazeres e sem suspeitar que a hospedeira o desejava riscar do activo. Caído no logro, o soldado relaxou alguns receios, abandonou a arma a um canto e transformou-se em mansíssimo cordeiro, para inglória do seu imperador. Mal o apanhou de feição, que o mesmo é dizer desprevenido, a mulher desferiu-lhe no toutiço uma valente machadada, que o deitou por terra sem sopro de vida. Em seguida, transportou o corpo a pulso até ao poço (que existe dissimulado em quase todas as casas de Trancoso) e chapou com ele lá para dentro. Apagou com ligeireza os vestígios da façanha e preparou-se para a próxima vítima, saindo para a porta, sorridente como se nada fosse, a exibir a nesga de carne. Com esta artimanha arrumou cinco franceses e mais teria passado para o alçapão, não fossem os acasos da guerra fazerem os soldadinhos abandonarem a vila. Não deixaram saudades.

Santos Costa (do livro CONTOS TRANCOSANOS)

segunda-feira, 14 de março de 2011

O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO (LENDA)


Professou no Convento das freiras de Santa Clara, em Trancoso, a veneranda Madre Francisca da Conceição, natural de Freches, a quem são atribuídos muitos milagres por sua intercessão. Sobre a vida e milagres desta freira, falecida em 14 de Maio de 1711, o Padre Simão Cardoso Pacheco, da paróquia de São Pedro de Trancoso, escreveu uma interessante obra, levada á estampa no ano de 1738
Sobre as obras e milagres de Madre Francisca fez-se, ao tempo e após a sua morte, uma prova testemunhal, com vista à sua canonização, o que não veio a acontecer.
De entre esses milagres, remete-se a este trabalho aquele que, entre outros, diz respeito à vida do próprio convento, conforme com a fama de milagreira de Madre Francisca e do seu Menino. Foi o caso acontecido com a Madre Soror Isabel de S.João, celeireira do convento, que se viu, certo dia, sem pão na tulha para abastecer a comunidade. Varreu todo o grão que pôde na tulha mas, para desespero seu, faltava-lhe o equivalente a duas fanegas para a satisfação de uma semana.
A desconsolada Soror Isabel correu à cela de Francisca e expôs a esta, com a atrapalhação própria dos ansiosos, a falta do grão necessário ao fabrico do pão, que saía dos fornos com o peso de vinte e cinco arráteis cada um.
— Não há-de ser difícil arranjar essas duas fanegas que lhe faltam, Madre Soror Isabel de S.João— terá sossegado Madre Francisca.— Mande varrer novamente a tulha, porque muitas vezes fica entre as aberturas da madeira algum pão. Tudo junto, poderá remediar a falta.
Outra qualquer pessoa, que não conhecesse Madre Francisca, poderia julgar que aquele conselho não passava de zombaria. Tal não sucedeu com Madre Isabel de S.João que, logo,logo, correu até à tulha, cheia de fé, na companhia de uma das serventes. Trataram de varrer e sacudir quanto pão puderam descobrir nas fendas da tulha, nas frinchas do soalho de madeira e nos cantos. Porém medido, não chegava a uma fanega.
— Fiz o que aconselhaste, Madre Francisca — voltou ela, desesperada e com menos fé— mas apenas conseguimos menos de metade do que é necessário. Fazei com que o vosso Menino me acuda nesta necessidade.
— Vá, filha, aonde esse apareceu, poderá haver mais algum grão. Tenham paciência e varram bem a tulha outra vez, que Deus está por nós e não nos faltará.
Voltou a Madre celeireira à tulha, desta vez com fé redobrada. Ela bem sabia, e a servente tinha sido concorde, que a fanega anterior surgira por um milagre e que na tulha, varrida e bem varrida, não tinha ficado um único grão para amostra.
Mal entraram na tulha, a servente deixou escapar uma exclamação:
— Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Nesta tulha não deixamos qualquer grão esquecido e agora vejo pão que nós não tínhamos deixado!
Sem grande dificuldade na busca dos grãos, var-reram mais uma vez a tulha. E, depois de medido, verificaram que ainda lá havia cinco alqueires, o bastante para suprir e sobrar a ração semanal.
A madre Isabel e a servente, com os olhos rasos de lágrimas, não se contiveram que não ajoelhassem no meio da tulha. Alma grande e admirável era a de Madre Francisca da Conceição para merecer a bênção do Senhor e a excelsitude da sua magnanimi-dade!

terça-feira, 8 de março de 2011

NO ESTRANGEIRO - O GESTO É TUDO



NOTA: este artigo, da minha autoria, foi publicado na revista "Notícias Magazine"

Para si, que gosta de viajar, leia o que segue. Para si, que “sai para fora cá dentro”,
não desdenhe a mesma leitura. Saibam todos que há gestos interditos
e etiquetas recomendadas para quem contacta com outras gentes
de outros países e de outras civilizações .
Se não poder decorar, leve consigo uma cópia desta peça. Depois não se queixe
que foi mal recebido pelos autóctones!


Contou-se e registou-se uma célebre gafe de Richard Nixon, então presidente americano que, numa visita à América latina nos anos 50, saudou à chegada com aquele gesto tipicamente americano para dizer OK. Formou com os dedos polegar e indicador da mão direita um circulo, sem adivinhar que todos os jornais do dia seguinte trariam nas primeiras páginas aquele sinal de mãos. Alguém lhe explicou, tardiamente, tratar-se de um gesto que, naquele continente, é utilizado como convite a uma relação sexual. Nixon engoliu em seco e deve ter dado uma sova verbal nos seus assessores diplomáticos.
Pior ainda, foi aquela surra que um meu amigo levou na Turquia quando decidiu fazer auto-stop com o punho fechado e polegar no ar, indicador da direcção da boleia. Três turcos carrancudos não gostaram da grosseria de conotações sexuais e injuriosas, supostamente dirigida a eles.
Segundo dizem, os caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém e os cuidados também não. Necessário se torna para os viajantes seguir as regras de etiqueta fundamentais, os costumes e os comportamentos dos indígenas dos países a visitar, pois são claramente distintos dos nossos. Mais cuidado se torna a utilização da linguagem corporal, dos gestos e ademanes.
O cumprimento social
Viaje o leitor para a Rússia e fique a saber: o cumprimento do eslavo, mesmo entre homens, é um beijo na bochecha; mas, esperem, por vezes até na boca! Nos países islâmicos não irá receber o beijo, mas não lhes estenda o “bacalhau”; coloque a sua mão direita sobre o peito, do lado do coração, depois eleve-a até à testa e passe-a pela cabeça, nesta sequência.
Se vir um chinoca, um japonês ou um coreano inclinar-se à sua frente como um girassol, é sinal de que o está a cumprimentar. Você faça o mesmo, inclinando-se o suficiente para reconhecer a dignidade do cumprimentado. A inclinação do corpo e da cabeça é tanto mais intensa quanto maior for o respeito pela pessoa. Na Índia e na Tailândia o cumprimento é mais discreto e cerimonioso. Cumprimentam o visitante juntando as mãos à frente do peito, em prece.
O aperto de mão é o mais comum na maior parte do Mundo. Há quem junte ao aperto de manápulas, à moda latina, um abraço efusivo e umas palmadinhas nas costas. Não o faça perante os escandinavos e, pelas mais elementares regras da etiqueta, quando apertar a mão a alguém evite ter a outra camuflada atrás das costas, na algibeira do casaco ou das calças.
O leitor mais propenso a viagens exóticas, prepare-se para encontrar cumprimentos de indígenas em estado semi-selvagem. Alguns cumprimentam mostrando a língua, outros lambendo as faces do visitante ou esfregando nariz contra nariz. Nem se admire o leitor se viajar pela Nova Zelândia e alguém lhe cuspir nos pés. Tratar-se-á de um maori e está a cumprimentá-lo com todo o respeito. Como é apanágio de alguns portugueses, puxe da saliva e faça o mesmo. Arranja um interlocutor e um amigo.
Gestos de mãos
Um senhor chamado Mario Pei contou 700 000 sinais corporais distintos com que os humanos são capazes de comunicar sem palavras e o estudioso M. Krout contou 5 000 gestos diferentes para as mãos, cada um correspondente a uma expressão verbal. Há quem assegure que comunicamos em 7% pelo conteúdo das palavras, 38% pelo tom de voz e 55% pela expressão não verbal, gestos de mãos e expressões faciais. É sabido que em países estrangeiros, principalmente onde não dominamos a língua, existe a tendência de comunicarmos através dos gestos. Ora, meus amigos, perante autóctones que não compreenderão patavina da nossa língua, nos 55% é que está o busílis. Muitos gestos das mãos e dos dedos, constituem linguagem mimética, quase sempre informativa, por vezes insultuosa, grande parte interdita. É com esta exacta forma de comunicação que se entendem os surdos-mudos, é com ela que os oradores (principalmente os parlamentares) dão ênfase aos seus discursos e verborreias.
Há gestos que não revestem propriamente formas de comunicação. É o caso da pouco higiénica passagem dos dedos pelas cavernas do nariz. Quem “limpar macacos” na Líbia e na Síria pode fazê-lo sabendo que a mensagem passa com o significado de convite sexual. E se, no cúmulo da limpeza ou do prurido nasal, o leitor der em colocar o polegar e o indicador nas duas aberturas nasais, está a insultar o nativo com qualquer coisa semelhante a “vá para o diabo que o carregue”. Contudo, caso esteja nalgum lugar da Arábia Saudita e tenha “pescado o macaquinho”, retirado o dito e enrolado para o lançar algures, pode crer que a pessoa na sua cercania terá esse gesto como uma ameaça de morte e o leitor não saberá árabe suficiente para convencer o indignado do contrário. A sua mãezinha não lhe repetia que o dedinho não se mete no nariz?
Nem só no interior dos canais nasais a linguagem é perigosa. Basta saber que coçar o nariz com o indicador é, na Jordânia, um anódino convite sexual à dama mais próxima de si, tanto mais grave se o respectivo esposo estiver por perto. E o simples sinal de silêncio que se faz vulgarmente colocando o indicador em riste à frente da base da penca nasal, é tido na Síria e no Líbano como uma ofensa ao homem que se encontrar diante. É como se o chamasse pederasta ou homossexual, o que pode não ser o caso, infelizmente para a sua integridade física.
Para infelicidade do amigo que visitou a Turquia – já referido, a abrir – eu não tinha escrito esta peça. Ficou porém a saber que o simples gesto de pedir boleia com o polegar no ar é perigoso para aquelas bandas. Este sinal é originário dos Estados Unidos e serve para conseguir fazer parar as viaturas que nos hão-de conduzir, como penduras, ao local pretendido. Mas esse gesto, quando firme e fixo, pode significar, entre nós, qualquer coisa como OK, super ou impecável. No entanto, no Japão tem o significado de cinco, no Punjab sinónimo de desistência e impotência sexual, a ideia de companheiro e camarada no Japão e insulto de carácter sexual em quase todo o continente africano, Irão, Rússia, Turquia, Austrália e Médio Oriente. Em Espanha, mais precisamente no País Basco, significa apoio à causa separatista.
Não faça estalidos com os dedos indicador e médio para chamar o empregado num café ou restaurante do Japão ou dos Estados Unidos. Essa atitude é tida como desprezo, de tal forma que nem mesmo a pode aliviar através de uma boa gorjeta. Use estes dedos para formar o V de vitória em qualquer parte do mundo, à excepção da Austrália, pois significa para eles, em linguagem lusa, que está a mandar alguém “para baixo de Braga”.
O dedo mínimo não está livre de conotações proibidas. Veja-se, por exemplo, quando se ergue o dedo mínimo, solitário, com o punho fechado, para dizermos que “é o meu dedo mindinho que adivinha”. Na América latina significa que nos regozijamos com a magreza do interlocutor, se ele não for bem abonado de carnes nem tiver aquele aspecto saturado de gorduras e colesterol, enquanto no Japão o mesmo gesto é maliciosamente tomado com o significado de amante. Nesta última hipótese, imagine o leitor que o faz diante do casal seu anfitrião!
Há quem tenha por costume unir o polegar de uma mão com o de outra e o mesmo com os dedos indicadores, formando um losango. Perca este hábito na América do Sul quando estiver diante de uma senhora, pois está a querer dizer que ela é prostituta. Esse losango, segundo os nativos, é a representação manual do órgão feminino e, na dúvida, as mãos nos bolsos livram de valente chatice. O mesmo acontece se, nas mesmas paragens sul americanas, esfregar as mãos (sinal de contentamento entre nós), o que equivale a chamar a senhora de lésbica. A situação seguinte seria imprópria para cardíacos.
Jamais se coloque em frente de um italiano com as mãos juntas, em prece, tendo os polegares erguidos. É como se estivesse a chamar burro ao transalpino e ele não irá gostar da conotação. Na Líbia, o leitor deverá pensar duas vezes antes de colocar a palma da mão no pescoço: se estiver frente a uma mulher ela tomará a atitude por convite ao sexo; se for o marido dela, é como se estivesse a dizer-lhe que é homossexual.
Na Grécia não exiba a palma da mão com os dedos esticados e abertos. Os gregos tomam o gesto como ofensa grave ( a moutza) e o viajante, à conta dele, pode ver-se grego para se livrar de arrelias. Em alguns países africanos pode ter o significado de “filho de cinco pais” para quem for exibido. Na Turquia, o mesmo gesto é visto como um elogio. Já no México, é motivo de desafio estar em frente de um natural com as mãos nos quadris. Outro tabu é cumprimentar um árabe com a mão esquerda. Deve ser utilizada a direita (e nunca a de uma mulher), uma vez que a mão esquerda está reservada para a limpeza das partes íntimas. Nada de beijos e abraços. O mais eficaz é ficar mesmo pelas palavras como “salaam” ou “salaam alaykun”.
Refeições, restaurantes e gorjetas
No Japão pode fazer aquilo que não se atreve a fazer à mesa de um restaurante lisboeta. Chupe o macarrão e o esparguete como se fosse um aspirador, beba a sopa directamente da tigela, sem colher. Na China, nem se importe com os ruídos do sorver, pois é um elogio à cozinheira. É também na China e nos países islâmicos que cai bem ouvir um arroto no final da refeição. A sonoridade do mesmo classifica, numa escala de decibéis, o valor do pitéu. Para mostrar que não quer repetir, fixe esta mensagem “discreta”: chupe os dedos.
Atenção, muita atenção: se é canhoto, pratique com a mão direita o uso da colher e do garfo. Na Índia, Egipto, Marrocos, Malásia, Tailândia e Arábia Saudita, a mão esquerda é indigna de levar o comer à boca. Reservaram para esta os cuidados da higiene das ditas “partes”.
Dirão que os tabus só existem nos países exóticos e de arreigados costumes antigos. Pois então anote que, na Inglaterra, não deve passar o pão nos molhos e, em França, não palite os dentes (manuseando o cure-dent), nem mesmo com a outra mão a servir de biombo.
Na maioria dos restaurantes árabes – pelo menos, os mais tradicionais – as mulheres e os homens sentam-se em zonas separadas. Nestes locais evite sentar-se de perna cruzada com a sola do sapato virada para outra pessoa. Mesmo que, entre os presentes, reconheça o rei do petróleo, nunca aponte com o dedo.
Não convide um árabe para comer carne de porco nem um indiano para degustar um bom bife de vitela; aceite de um japonês uma chávena de chá a ferver e não faça má cara à bebida pouco aromática que um tibetano lhe ofereça; a mulher ocidental não deverá propor um brinde na Alemanha e saiba que ofenderá o anfitrião irlandês ou russo se recusar, sem motivos de saúde, uma bebida alcoólica.
Para evitar um equívoco, não faça a apreciação de um bom prato à anfitriã japonesa colocando os dedos indicadores no lóbulo da orelha. A senhora ficará envergonhada com a descortesia por entender que serviu um prato demasiado quente. No Japão , se tiver de pedir ao empregado qualquer coisa em número de quatro não o faça exibindo os quatro dedos da mão, pois este tomará o gesto com um insulto acima de “besta e quadrúpede”. Na Itália, não se ofenda se o empregado de mesa lhe perguntar se pretende um ou dois “cornicio”, pois trata-se de pepino em conserva. Nem tampouco recuse um aferventado prato de caldo verde se o empregado italiano lhe recomendar na ementa escrita na lista del giorno a afamada “zuppa di cavolo”.
Quanto à gorjeta, pode optar por sair com os trocados no bolso ou esportular qualquer coisa entre 10% e 15% sobre o valor total do serviço, aumentando a percentagem se foi tratado com a excepção reservada aos marajás. Evite dar gorjetas na Coreia do Sul, em Cingapura e no Japão, para que os empregados não fiquem com os olhos em bico.
No geral
A leitora que viaje para um país islâmico deve levar um véu ou um lenço para cobrir os cabelos e prepare-se para assumir um papel de segundo plano, igualzinho ao que reserva ao “caniche” lá de casa. Não vista o vermelho no mês do Ramadão e, se não quer passar por viúva, não use roupas de cor roxa no Egipto.
O leitor não se mostre indignado se a respectiva esposa, de andar donairoso, lhe disser que levou um apalpão num souk (mercado) do Egipto ou de Marrocos, pois aqueles árabes são danados para a brincadeira... com a mulher dos outros, evidentemente.
Os leitores evitem espirrar diante do anfitrião japonês e não se assoem nas ruas da Coreia do Sul. Na Síria não faça expelir o fumo sobre o rosto de uma mulher, uma vez que, para além de uma geral atitude nada polida, é tida por um convite para a cama. No Japão não ria alto de uma anedota nem, no país do Taj Mahal, encare fixamente um indiano, pois sentir-se-á humilhado.
Na Rússia não trate os naturais por camaradas (tavaritch) e, se o leitor é do sexo masculino, evite dirigir-se a uma mulher árabe em público nem a cumprimente com beijos ou abraços, mesmo que esta seja afegã e se esconda por dentro da burka. Nas mesquitas não entre calçado e não se misture na zona das mulheres, se for homem, nem na zona dos homens, se for mulher. Para evitar contrariar a higiene, em Marrocos leve consigo papel higiénico, pois não o encontrará ao lado da sanita.
Ao abanar a cabeça em sinal de sim ou não, saiba o leitor que o sinal por nós tido como de negação tem na Bulgária, Índia e Paquistão o significado de “sim”. E este simples equívoco pode deixá-lo numa verdadeira situação embaraçosa, se não tiver o cuidado primário de saber, na língua nativa, estas duas expressões de afirmativa e negativa.
Antes de viajar, siga o conselho deste arrazoado e consulte um bom guia turístico, mormente aquele que avise sobre atitudes e costumes. Não deixará ficar mal a já pouco afamada cortesia dos patrícios e poderá evitar aborrecimentos e situações críticas que, porventura, não resolverá com um bom punhado de dólares. A não ser que queira passar as férias num hospital. Férias, enfim, para turista esquecer.

domingo, 6 de março de 2011

O HOMEM-MACACO DO AVELOSO




Num País onde se fazem tantas macacadas, não podia faltar a fama e a escama do Homem-Macaco. Albaninho do Mal ou Homem-Macaco do Aveloso, subia por paredes, mostrava possuir uma força descomunal, bebia em grandes quantidades qualquer líquido que encontrasse, trepava a torres, metia medo ao medo. No fundo, no fundo, era uma infeliz criatura a quem acometiam uns estranhos e nunca esclarecidos ataques.
Nascido na aldeia do Aveloso, concelho da Meda, Albano de Jesus Beirão até aos sete anos de idade, foi uma criança como as outras da sua aldeia. O primeiro ataque ia surgir nesta idade. Apascentava então uma cabra, no campo, no mês de Janeiro, altura em que os pais colhiam a azeitona. Acendeu uma fogueira com umas silvas e sentou-se ao redor do lume, de pernas cruzadas. Contou ter visto um pássaro preto voar à sua volta durante algum tempo. De súbito, levantou-se e largou em corrida desenfreada e sem rumo. Era o primeiro de muitos êxtases que lhe transformariam a vida durante 43 anos.
Como se comportava ele na altura dos ataques?
“ Parecia o diabo em figura de gente. Não conhecia ninguém, galopava e escoicinhava, dava uivos… Mas não fazia mal a ninguém, principalmente se fossem crianças. Mesmo com os ataques, se visse uma mulher não se virava contra ela.”
Acima de tudo, os seus conterrâneos não o temiam, conquanto respeitassem a força descomunal e espectaculosa que o Sr. Albaninho tinha. Quando Albano Beirão se metia, por razões da sua estranha sina, em situações perigosas, livrava-se dos apuros graças à ajuda dos bombeiros. Foi assim “pescado” do alto da estátua do Marquês de Pombal e do Arco da Rua Augusta em Lisboa ou da Torre dos Clérigos do Porto. Um bombeiro portuense acabou por morrer quando tentava resgatar daquela torre da cidade invicta o inusitado escalador. Uma testemunha disse a um jornal que o homem-macaco beirão, urrando pelas ruas de Lisboa, decidiu saltar para o tejadilho de um eléctrico, repetindo esta proeza três vezes, perante o pasmo de quem passava.
Pior, confessou certa vez, era desaparecer o ataque e deixá-lo com a cabeça entalada numa sarjeta. A solução era rebentar com a sarjeta ou esperar pelo próximo ataque. Dizia que na baixa lisboeta fechavam as lojas quando ele passava; no Porto exigiam que as autoridades o levassem para onde não houvesse nem eira nem beira ou pé de figueira…
O registo de um curioso acontecimento da sua vida vai a seguir.
Encontrando-se certo dia na praça da vila da Meda, levantou um dos bancos de pedra que estão junto à igreja. Ergueu a pedra e atirou com ela ao chão, partindo-a em duas. Dois guardas que viram o estrago na coisa pública intimaram-no, sob prisão, a comparecer perante o Administrador do concelho, um tal Dr. Faria.
-- Os senhores não sabem quem é este homem? – inquiriu o Administrador.
Os guardas eram novos no quartel, não sabiam.
-- Ponham-se a andar para o Posto, e depressa, antes que ele faça alguma coisa…
-- E as nossas armas? Nós temos armas, podemos dominá-lo…
-- Quais armas, nem meias armas! Vão-se lá embora antes que ele vos ponha de plantão com uma ou duas palmatoadas tesas!
Quando era acometido pelo estado sobrenatural tinha absoluta necessidade de beber líquidos. Fazia-o com uma sofreguidão animalesca, absorvendo grandes quantidades sem cuidar da qualidade do que ingeria. Diziam que conseguia emborcar dezenas de litros, fosse água, leite, água de cal, água de animais, água estagnada ou de chiqueiro e até urina.
Enfim, o efémero remoinho das façanhas extra-normais do dito Homem-Macaco arriscam-se a passarem, para o futuro, como triviais e pouco inéditas macacadas.
Santos Costa