sábado, 23 de janeiro de 2016

ENCICLOPÉDIAS ALEGRES (3) BRUXAS

CAÇA ÀS BRUXAS. Quando se fala em caça às bruxas sem se referir a políticos e à política, alude-se à ignominiosa perseguição religiosa e social que começou no final da Idade Média e atingiu o seu apogeu na Idade Moderna, por se achar que as bruxas eram tidas como satânicas. Naquela paranóia instituída, queimavam então as pobres mulheres em fogueiras para as castigar e “purificar”.
A caça às bruxas, tal como outros tipos de caça com o seu “Manual do Bom Caçador” ou “O Manual do Caçador Furtivo”, possuía também um livro de instruções do género faça você mesmo, se puder. Tem por título Malleus Maleficarum, ou "Martelo das Feiticeiras", publicado em 1486, originalmente escrita em latim pelos monges dominicanos Kramer e Sprenger. 
Nesta obra, os capítulos estão recheados de assuntos e questões como estas: se os íncubos e os súcubos podem conceber crianças; se as bruxas que copulam com demónios; se as bruxas que são parteiras matam de diferentes maneiras as crianças concebidas no útero, e tentam um aborto, ou se não fazem isso, oferecem aos demónios os recém-nascidos, entre outros assuntos de semelhante jaez.
Se em vez daquela trapalhada, os fradinhos rotundos, ardilosos e implacáveis, tivessem escrito uma enciclopédia alegre ter-se-ia poupado muitas vidas e, com a legalidade da profissão, muita receita fiscal entraria nos cofres do erário público. Já não conto que me poupariam muito trabalho, pois para fazer esta edição bastar-me-ia chegar à net, copiar e colar.
O primor desta obra “ Martelo das Feiticeiras” teve direito a bula de Inocêncio VIII, “bispo, servo dos servos de Deus, para eterna memória”.
Se não queimaram aquela tralha toda, ainda restam por aí alguns exemplares, mormente traduzidos e dispostos para downloads na internet.
CALDEIRÃO. Um dos símbolos da actividade, geralmente com água a ferver, onde se juntam alguns corantes para dar efeito, bem como ervas e fauna rasteira vária, tais como asas de morcego, rabo de escorpião e sémen de unicórnio. No entanto, trata-se de um instrumento mágico tão importante como é o estetoscópio médico para um clínico que mostre estar em serviço. Representa o ventre da deusa e o útero feminino. O seu tamanho deve ser um pouco menor que uma das panelas do restaurante El Celler de Can Roca.
Decerto não confundir este caldeirão com o da lenda que atribuiu o seu enchimento de ouro através do arco-íris, porque se fosse real já teria na periferia os auditores da Goldman Sachs, os mercados bolsistas e outras organizações sem fins lucrativos.
CALENDÁRIO. Os encontros das bruxas em conciliábulo decorrem ciclicamente nos dias de São João e de São Tomás, nas vésperas de Natal, às sextas-feiras e sábados. Estes seminários têm lugar nas encruzilhadas, nas pontes de pedra em decrepitude (e não faltam por todo o lado) ou nos poços abandonados. Às terças-feiras é dia de folga para o serviço, pelo que andam as bruxas à solta. O que não quer dizer que não actuem!
CASAMENTO. Agora é que são elas! Sobre o casamento há tantas superstições que, se fossem levadas a legislação, havia por lá mais artigos do que no Código Civil (e este leva qualquer coisa acima dos dois mil e trezentos). Por isso, estão a ver, pela rama é que eu vou passar este verbete, uma vez que não pretendo uma enciclopédia alegre de solteiros, casados e divorciados.
Vejamos, só para mata-bicho.
Quer casar em Maio? Marcou a boda para um sábado, principalmente se neste dia decorre o aniversário de um dos noivos? Não o faça. Prefira casar a uma quarta-feira, pois é a superstição que o recomenda e o melhor mês é Junho, por ser dedicado a Juno, fiel esposa de Júpiter. Outro conselho: deve ser o noivo a fechar a porta do quarto na noite de núpcias.
Victor Hugo chegou a afirmar que o casamento é um romance no qual o herói morre no primeiro capítulo.
Começando do princípio, diz a crença que não se deve varrer os sapatos e os pés dos jovens solteiros, pois é sinal de que não casarão e que, se uma pessoa solteira ouvir uma vaca berrar, deve meter uma das mãos na algibeira, para assim vir a casar cedo.
Acertado o casório, pois o namoro não deve ser prolongado como o do Sapo Cocas e da Miss Piggy, a escolha do vestido é também importante, segundo a crença. Para já, deve ser de seda, porquanto o cetim é considerado aziago, enquanto o veludo pressagia pobreza. O véu foi criado para evitar que os espíritos malignos cobicem a noiva. Se não sabiam esta, ficam a saber.
O cortejo nupcial deve seguir para a igreja por uma rua e regressar por outra, porque é de mau agoiro ir e vir pela mesma. Evitem cruzar-se com um porco ou com um funeral, mas acreditem que será benéfico aparecer um gato preto ou um limpa-chaminés.
No Minho, em recuados tempos, os noivos seguiam para a cerimónia em carros de bois enfeitados com campainhas. Naquela espécie de limousine, o noivo devia ter o cuidado de ir para a igreja com as pernas para fora e voltar da cerimónia com elas para dentro, como um paxá.
Perguntará algum leitor, com pertinência: então, onde atavam os amigos a tralha da lataria no veículo nupcial, que dizem dar felicidade? No carro de bois, não, porque a coisa andava tão devagar como se estivesse numa película de Manoel de Oliveira; depois, com tal chinfrineira de rodados, mal se dava pela chocalheira das latas. Pois bem, para solucionar essa questão, atirava-se literalmente um sapato ao noivo, que o devia apanhar para o colocar aos pés da cama, como símbolo de autoridade.
A primeira fatia do bolo de casamento deve ser cortada, em conjunto, pelos noivos, sob pena de não haver descendência se só um deles o fizer. O corte da fatia por ambos simboliza a partilha de tudo entre si.
Para terminar o arrazoado, mais alguns dos avisos da senhora superstição.
Se alguém, por distracção, calçar uma bota e um sapato, é sinal de que se desmanchará um casamento na família. Pior do que isto é saber-se que a crendice larga enfaticamente que o primeiro recém-casado a subir para a cama na noite de núpcias é o que primeiro morrerá, havendo idêntico desfecho para aquele que apagar a luz do quarto. Temo que as superstições deste jaez, desta feita e através destas perplexidades, façam com que na noite de núpcias ambos se estendam no chão do quarto e de luz acesa.
Enfim, com tantas recomendações, especialmente as que omiti aqui, é caso para considerar as palavras dos mal-intencionados que dizem chamar-se santo ao casamento porque conta com inúmeros mártires.
CASTANHAS. Comer muitas castanhas provoca piolhos na cabeça, principalmente se forem cruas, mas quem as comer no dia 1 de Maio ficará isento de dores de cabeça durante todo o ano.
Não é fácil encontrar uma castanha de três bicos, mas se aparecer esta gema, deve guarda-se porque protege das bruxas e das traças, possivelmente com protecção extensível às penhoras e a beijos ou abraços de políticos em campanha.
CEBOLAS. As cebolas têm um receituário na superstição amorosa quase equivalente ao que têm na culinária. Utiliza-se a cebola roxa para afastar rivais, machos e fêmeas, e qualquer tipo de cebola para ajudar na escolha do namorado ou namorada, através dos rebentos que a primeira deitar.
Também se usam para curar doenças, abrindo-se ao meio e deixando-se sobre um móvel do quarto do enfermo até este curar. Acredito que resulte de uma ou de outra forma: ou cura mesmo ou, com o pivete a podre, obriga-se o doente a dar alta a si próprio e sair dali a sete pés.
É superstição antiga dizer-se que se tornam insensíveis as pancadas da régua da professora nas mãos dos alunos, se se esfregar na palmatória uma cebola descascada.
Esta, eu posso desmistificar. Um dia, na turma da primária, um grunho passou a polpa de uma cebola pela régua da professora, pois teria recolhido a receita de uma avó. Quis o acaso que fosse ele a experimentar o “amaciado” instrumento de tortura escolar e, todos nós, vimo-lo sorrir até levar a primeira pancada numa das mãos. Com alguma perplexidade, nós e ele (mais ele do que nós) assistimos aos gritos e aos saltos como se o estivessem a capar.
CHAMPANHE. As superstições são vividas ao longo do ano; no entanto, com a entrada de novo ano, são inúmeras as que são seguidas e atendidas por larga maioria de pessoas, principalmente ante, durante e após as doze badaladas do dia 31 de Dezembro. Abre-se o dito, mesmo que seja espumante, e guarda-se a rolha da garrafa aberta na ocasião para festejar o Ano Novo, em lugar secreto, para que traga dinheiro. Também se acredita que é de bom agouro dar três saltinhos com uma taça de champanhe na mão, de modo a que não verte sequer uma gota; há quem leve o costume mais longe, deitando após o conteúdo do copo para trás, independentemente de molhar alguém, porque garantirá a sorte a essa pessoa. É evidente que não terá semelhante sortudo aquele que for atingido.
CHIFRES. Não é sinal de sorte ter um chifre em casa. No sentido literal do termo, o chifre de boi constitui protecção contra o diabo, mas para afugentar o bruxedo nada melhor que o de veado.
Se o intuito fosse rebaixar este artefacto e a sua conotação com pormenores de outras metáforas, nem sequer abria o verbete.
CHINELOS. Quando são velhos, este adereços podem ainda prestar um último serviço aos seus proprietários. Se forem queimados, e não forem de plástico, parecem constituir um gratificante antídoto contra as bruxas, cuja repulsa, estou em crer, poderá ser causada pelo peculiar cheiro do chamado “sulfato peúgo” durante e após a incineração.
CIGARROS. Não é de bom augúrio acender mais do que um cigarro com o mesmo fósforo, assim como é embaraçoso para uma rapariga pisar um charuto ou uma cigarrilha já fumados, dado que isso acarreta casarem com o primeiro homem que virem depois desse percalço.
Bem, azar azar não é de todo, porque podem cruzar-se repentinamente com o Cristiano Ronaldo ou o Tom Cruise.
CONSULTAS. Cobrança sim, facturas nada. A actividade nunca foi devidamente catalogada e, se o fosse, fazia-se tábua rasa do articulado.
O tarifário das consultas é, como tudo nesta vida, do mais puro secretismo. Por um lado, está a concorrência, por outro o preenchimento dos recibos verdes, se é que existe alguma profissional que os passe.
É comum, nalguns escritórios de especialidades médicas soar o aviso de que com recibo o preço é mais elevado. Ora, no caso das bruxas, bastar-lhes-ia avisar que o receituário e os feitiços, em caso da passagem de recibo, não resultariam.
Que se saiba, uma bruxa de Gaia, de nome Olívia, ostentava à porta do consultório a seguinte tabela: “Consultas a dois escudos. Quem quer, quer, quem não quer, não quer”. E olhem que isto é mesmo verdade!
CORNUCÓPIA. É uma espécie de pastel que, nalgumas pastelarias, se chama caramujo; contudo, a cornucópia é mais retorcida e o recheio é diferente. A que aqui é referida para o caso, é um chifre tradicional da abundância, símbolo da generosidade, boa colheita e com implicações mágicas em vez das gastronómicas. Dizem que o próprio chifre é um símbolo fálico, representante do sagrado masculino, mas eu não vejo como! O interior do chifre simboliza o útero, especialmente quando está cheio e fértil, representando o feminino. Por isso também se lhe chama corno da fartura, de que resulta aquela expressão quando alguém nega a outro o pretendido por este: ficas a chuchar num corno!
CRIANÇAS. Dizem que as bruxas têm particular prazer em chupar o sangue das crianças. Por isso, recomenda-se que antes do baptismo não devem ficar os meninos às escuras, a fim de se evitar que as bruxas os levem para os telhados.
Sobre as crianças há tanto assunto que seria melhor levá-lo a enciclopédia própria, distribuída em fascículos e levada de barato na sacola do Expresso,
CUCOS. Há quem diga que é de bom presságio ter moedas soltas na algibeira quando esta ave canta pela primeira vez em cada ano. Se chocalharem as moedas com a mão, então o sinal é melhor ainda, pois haverá esse ano grande prosperidade financeira. Por causa disto, não me perdoo quando ouvi cantar o cuco na altura em que deixei os últimos cêntimos num parquímetro .
Conta-se que a poupa era mulher do cuco, mas que ela andava amancebada com o mocho. O cuco, enciumado, foi bater no cu do mocho e este, enquanto apanhava, ia dizendo – ui, ui!. O cuco, a cada pancada, dizia – no cu, no cu! A poupa, pelo seu lado, apelava – poucas, poucas! Assim é o canto deles.
É mau sinal para uma pessoa ouvir cantar o cuco enquanto está em jejum.
CUECAS. Pelo menos, na passagem do ano, usar de preferência de cor amarela, porque representa o ouro. Não se recomenda usá-las por cima das calças, principalmente se forem vermelhas ou azuis, cingidas à pele, tão ao gosto dos super-heróis das américas.
CUIDADOS. Quem tem filhos pequenos e ouvir miar no telhado, não queira sequer inquirir se é gato em cio ou vizinhança indisposta. Trate antes de deitar para cima das telhas umas pedrinhas de sal, para que as bruxas (pois são elas que estão a berrar como os felinos) fiquem entretidas a apanhá-las.
Criança não baptizada só deve sair à rua se o seu portador disser bem alto, à saída da porta – “o menino vai à madrinha!”.
Para que uma bruxa não apareça inesperadamente casa adentro, será aconselhável não varrer a casa às avessas (não se fala em aspirá-la), da porta para dentro. Para que as bruxas e feiticeiras não entrem em casa e na família, faz-se o seguinte: uma mistura de aipos, anis, pão de trigo ralado e três pedrinhas de sal, tudo metido numa bolsinha que se prende atrás da porta da entrada.
Fora de casa, evita-se o mau encontro com uma dita bruxa se se levar nos bolsos uma côdea de pão. Não o fazer no bolso onde se guarda o lenço e, à cautela, nunca puxar por este se o pão estiver com ele alojado no mesmo espaço.
CULINÁRIA. Alguns ingredientes da culinária da bruxaria e feitiçaria são comuns àqueles que encontramos nos livros de cozinha do Chefe Silva e no Pantagruel, nas receitas de Henrique Sá Pessoa ou naqueles restaurantes que receberam mais de duas estrelas Michelin. Mas outros não. Estes são próprios da cozinha tradicional do caldeirão, embora este sirva principalmente para preparar as poções que vemos coloridas nos filmes de Disney.
Quem quiser praticar este “requintado” tipo de culinária e beberagens, vai ter de correr todas as lojas “Pingo Doce” e “Lidl” para encontrar chifre de dinossauro ou cauda de dragão, condimentos sem os quais alguns preparados não passam de meros ensopados insalubres.
Não quero dizer que as bruxas não apreciem a boa mesa, umas boas bifanas no pão, um arroz de cabidela ou umas amêijoas à Bulhão Pato, mesmo sem pitada dos seus ingredientes secretos.
É certo que havia um código especial para certas receitas e ingredientes, de que extraí de algures alguns exemplos (a gente está sempre a aprender, mesmo que seja enciclopedista): ao pepino dão o nome de barriga de sapo; a cebola é chamada lágrimas de moça e o azeite olho de sapo; ao açúcar dão o nome de pelos de unicórnio (vou pensar nisto quando tomar a bica); a batata designa-se coração de dragão e o nabo recebe o nome de chifre de rinoceronte, ao passo que tem o nome de beijo de sereia o vulgaríssimo sal de cozinha. E por aí adiante, que isto é uma enciclopédia generalista e não de culinária.
Isto de cozinha não são só ingredientes, mas o modo como se preparam. Por isso, resta-me acrescentar que não é de bom agouro mexer a comida no sentido contrário aos ponteiros do relógio.
Ah, e também não é de bom agouro servir com aqueles faqueiros que os ministros dos Negócios Estrangeiros adquirem pela bagatela de duzentos mil euros.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

ENCICLOPÉDIAS ALEGRES (2) BRUXAS


BABOSA. É a planta que nos chega com o rótulo de aloé vera. Dizem os entendidos no assunto que dá sorte, amor e protecção, afinal os três ingredientes que toda a gente deseja, se olvidar o da pedra filosofal e o acertar todos os números do euromilhões. Possui efeito sobre energias negativas, principalmente inveja e mau olhado.
Uma outra característica menos metafísica é a de ser eficaz contra acidentes domésticos, especialmente na cozinha, protegendo das queimaduras, cortes ou tombos. Para além disso, segundo a química, fortalece o couro cabeludo – não sei até se restitui o cabelo perdido, mas a caspa foge dela como o diabo da Cruz - e em creme vende-se para prevenir rugas e combater as peles flácidas e secas.
Como dizem os entendidos que faz crescer o cabelo com muita rapidez, é muito recomendada pelos barbeiros e cabeleireiros, que vêem na planta um poderoso aliado.
Não confundir com o vocábulo de género contrário, o baboso, de que os espanhóis têm um significado assim explicado: “ hombre que resulta molesto e impertinente cuando intenta agradar a una mujer”.
BARULHO. Fazer chinfrineira com tachos e panelas, tem servido para espantar os malefícios do ano que finda e impedindo que entrem no novo. À falta destes apetrechos (principalmente dos tachos, que estão todos tomados), serve uma discoteca de quizomba ou uma sessão de bateria e guitarra-baixo de uma banda liceal.
BELEZA. Salvo raras excepções, nunca vi a reprodução de uma bruxa com base no modelo de rosto de uma Amanda Seyfried, Nicole Kidman, Angelina Jolie, Avril Lavigne ou Beyoncé, para só citar algumas das que são consideradas, na altura em que faço esta enciclopédia, das vinte mais belas do mundo. Até o circunspecto Goya deu em pintar umas megeras narigudas, pelos no queixo e algumas verrugas pouco cuidadas (a simetria destas, agora em moda, paga-se a peso de ouro nos esteticistas).
Pintar o belo é difícil, mas o feio e deformado está ao alcance de qualquer um. Como exemplo, é a capa que fiz para este trabalho, elaborada em menos de uma hora.
O certo é que todos nós, pelo menos uma vez na vida, teremos dito de alguém esta depreciação de mau gosto: “parece uma bruxa” ou “é feia como uma Bruxa”.
BENZEDEIRA. Torna-se o assunto de conversas de serões e soalheiro – pelo menos, no tempo em que não havia novelas televisivas a todas as horas do dia – saber quem é quem no mundo do bruxedo. As benzedeiras toda a gente as conhece, assim como algumas bruxas que têm blogs, sites, twitter, linkedin e facebook.
As benzedeiras encarregam-se dos tratamentos do mau-olhado que atacam os garotos, talham os “ares”, endireitam espinhelas caídas, cortam sarampos e zagres, varrem malefícios e invejas. Estas mulheres, que também são chamadas “corpo aberto” e “santinhas”, têm como utensílios rudimentares e pataqueiros, facas e tesouras (para talharem os ditos “ares”), águas bentas, ramos de alecrim e azeite puro de oliva (o que vem sendo raro como ingrediente porque a pureza é escassa), beladona, meimendro e mandrágora.
Infelizmente, para comporem os magros réditos da profissão, não se incumbem do preenchimento de declarações de IRS (“benzidas” por outras artes), o que lhes garantiria clientela extra.
Enfim, as benzedeiras não passam de mulheres simples.
BOLSA. Quando o negócio era rentável, havia sempre uma bolsa onde se guardavam os cobres. Hoje já não é bem assim. Segundo os cânones do dinheiro e da finança, a bolsa passou a ser de valores (ou seja, quanto menos valores morais, mais valem), constituindo um mercado que gere acções e outros valores mobiliários.
Visto isto, não faltam às bruxas acções (a maior parte, más, mas também grande parte, boas), pelo que, reunidas em sociedade anónima desde os tempos da Inquisição, constituíram uma bolsa, a BVB (Bolsa de Valores Bruxúlicos) que, por decoro, não emparceira com o NASDAQ, o CAC, o MICEX, o NYSE ou o PSI20. 
Perguntarão muito justamente por que razão não consta a “irmandade” financeira nas 30 maiores cotações do índice Dow Jones Industrial Average ou das famigeradas avaliações do Standard & Poor’s. Há uma razão muito simples: não sendo a actividade devidamente reconhecida pela fiscalidade internacional – constituindo os seus lucros uma espécie de fruto de qualquer paraíso fiscal – os editores do jornal financeiro norte-americano The Wall Street Journal, passam pelas acções da BVB e particularmente sobre este segmento de mercado, como cães por vinha vindimada. 
BOLSOS. Não se deve fazer a passagem de ano com bolsos vazios, mesmo que tenha sido esbulhado pelos mesmos sugadores ao longo do ano e independentemente dos cortes no subsídio de Natal. Lembrem-se que até a mendicidade, neste País, paga imposto e que o mínimo tilintar nos bolsos desperta a curiosidade da Autoridade Tributária e Aduaneira.
BURROS. Para além das vassouras, as bruxas usam os burros como meio de transporte, só que preferem montar ao contrário, com as costas viradas para a cabeça do animal. Deverão ter a mesma sensação que se desfruta quando se viaja de comboio na última composição e se vê a paisagem a afastar-se.
Quando alguém passa descalço por um sítio onde um burro se tenha espojado, deve cuspir para que as bruxas não o incomodem.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

ENCICLOPÉDIAS ALEGRES

ABELHARUS. Feitiço inventado pela ficcionista de Harry Potter, faz com que de uma varinha mágica ou enfeitiçadora saia um enxame de abelhas, as quais podem até atacar o feiticeiro, pelo que na dita escola de Hogwarts é ensinado aos alunos do 4º ano o “modus operandi” da coisa.
É claro que o poder se encontra na varinha de carvalho, capaz de fazer com que o dito enxame se transforme em creme, prontinho a ser vendido com a astúcia do vendedor da banha da cobra; ou, para ser mais preciso, transformá-las em mel, vendidas com o rótulo “abelharus”, o puro mel de carvalho.
ABONO DE FAMÍLIA. Forma de assistência que é enquadrada no esquema de segurança social, a que as bruxas não têm acesso (pelo menos, com o cartão profissional que seria suposto terem, para além do número de contribuinte, a que ninguém escapa). Também não precisam, porque o Diabo é a sua Segurança Social. Enfim, tal como ao comum dos portugueses, às vezes até parece que a Segurança Social é o diabo.
ABRACADABRA. É uma palavra de origem cabalística formada por letras dispostas em pirâmide de seis linhas.
Com este título há uma comédia que passou ao cinema dirigida por Kenny Ortega. Narra a história de 3 bruxas que têm a (in)felicidade de serem transportadas até ao séc. XX, tendo de enfrentar três crianças e um gato palrador, que são o cabo do trabalhos.
ACTORES. Os actores não gostam de interpretar a peça de Shakespeare, MacBeth, porque nela se canta uma “canção das Bruxas”, o que atrai o mal e o azar.
Já é longa a tradição em Montalegre, distrito de Vila Real, festejar o dia aziago das «Sextas-feiras 13». Para a celebrar a tradição representa-se uma peça de teatro, em que os actores que encarnam bruxas, duendes e demónios, que vão assombrar a vila, são idosos e crianças do concelho, enquanto a assistência popular fica suspensa do acto como pernas de presunto na cura.
ACTUAÇÃO. As bruxas costumam entrar pelos buracos das fechaduras das portas ou pelos buracos nos telhados. Quando entram nas adegas, utilizando o tal método da fechadura, bebem o vinho. Tocam pandeireta quando dançam, cantam desafinadas como um coro de ébrios, soltam sonoras gargalhadas e dançam à roda, de mãos dadas.
Quando pretendem embruxar alguém, apanham a terra da pegada do pé direito que essa pessoa deixou, atam-na a um pano e atiram-na à cova de um defunto. Assistir a tudo isto não é lá muito divertido.
ADIVINHAÇÃO. Segundo a conceituadíssima Wikipédia, o termo engloba tudo menos os números do euromilhões, o que significa “profecia, previsão, intuição, palpite, pressentimento”, pois é “o acto ou esforço de predizer coisas distantes no tempo e no espaço, especialmente o resultado incerto das actividades humanas”.
A adivinhação não deixa de ser uma arte, neste caso mágica, de descobrir o desconhecido através da interpretação de símbolos, como é a “leitura” de nuvens, cartas de tarô, chamas e fumo, ossos de animais e cartazes de autarcas municipais.
Quer isto dizer que as bruxas adivinham? É claro que adivinham, pois têm a equivalência aos cursos técnicos profissionais e profissionalizantes de astrologia, cartomancia, quiromancia, taromancia, hepatoscopia, I Ching e numerologia, para só citar estes. Parece que elas possuem, em doses maciças, os poderes sibilinos de Nostradamus, de Bandarra, mesmo do Pretinho do Japão, e das previsões económicas do Banco de Portugal.
Numa sondagem que se realize, como é hábito, através de entrevistas telefónicas em escolha aleatória, dará 10 por cento para os que acreditam no acertar dos resultados de adivinhação das bruxas e outros 10 por cento para quem creia no inverso. É bom que se diga que a diferença estará para quem não sabe/nem responde ao inquérito, que por meu lado adivinho com um erro máximo de amostra de 0,6 por cento para um grau de probabilidade de 99,9 por cento.
AFOGAMENTO. O teste do afogamento era praticado por débeis mentais sobre aquelas ou aqueles que eram julgados com poderes de bruxaria ou feitiçaria. Deitavam a vítima num rio: se morresse afogada, não era bruxa, mas lá se foi para o outro mundo; se se salvasse, então era bruxa e passava também para o outro mundo, queimada viva.
Melhor método, e menos poluente, seria lançar a bruxa sobre um insuflável e provar, com ou sem ressalto, o sim e o não da resposta.
ÁGUA. Não parece que as bruxas tenham medo da água, mas não será decerto a sua preferência quando se trate de higiene. Provavelmente elas terão completado aquele rifão popular que diz que a água não faz mal a ninguém, desde que não sirva para lavagem de bruxa, não se afoguem nela nem a bebam.
Diz-se que tanto o senhor Diabo como as senhoras bruxas não gostam da água a ferver; daí poderá dizer-se que bruxa escaldada da água fria tem medo.
ALFINETES. Tradicionalmente utilizados na Bruxaria para atar feitiços, colocar ou transferir um desejo em uma representação simbólica de alguém, de um lugar ou de uma situação, designadamente para “picar” alguém à distância, com objectos chamados de “vodu”.
Os mais usados são os alfinetes de cabeças coloridas, pois cada cor representa um pedido particular, como é disso exemplo a cor vermelha para a paixão ou a verde para a cura.
ALHO. Para quem queira afugentar as bruxas, nada melhor do que trazer um rosário de cabeças de alho ao pescoço. O mesmo efeito se concretiza ao mastigar-se um dente de alho.
Ressalva-se, porém, o odor do dito, que terá o condão de não afastar apenas as bruxas.
ALIMENTOS. Embora este mesmo assunto seja abordado na entrada “Culinária”, para abrir o apetite não me privo de o cozinhar aqui.
Demonologistas, inquisidores e alguns enciclopedistas, queimaram as meninges para descobrirem o que comiam as bruxas fora da vista desarmada. Quando elas confessavam práticas e comeres aberrantes, isso era a maior parte das vezes devido à tortura dos inquisidores, ávidos para obter confissões terríveis e assim lhes facilitar a redacção das sentenças. Dizer que elas tinham por gastronomia qualquer mistela parecida com o menu de um cafre, é pura especulação.
Serpentes, sapos, gafanhotos e até morcegos, não são de todo ingredientes, que eu acredite; mais certo, bons nacos de presunto e toucinho, vaca e carneiro assados, tudo regado com vinho do melhor, mesmo que surripiado nas adegas da vizinhança.
Outros estudiosos, aventam que eram em tempos vegetarianas, alimentação com ausência de carne, como era hábito em alguns costumes pagãos.
Terão então as bruxas apetência pela soja, tofu, algas, castanhas e folhas de alface?
Esta teoria não pega, pois há quem jure ter visto uma bruxa a passar ao estreito, num restaurante da especialidade, uma garoupa, duas cavalas, uma embalagem de delícias do mar ainda congeladas e um pires de “jaquinzinhos” sem arrotar.
Nas assembleias, o bode e as bruxas não se privam do estendal no final da sessão, onde não faltam os garrafões de vinho e presunto, nem tão pouco o sacramental cafezinho servido do termo e um cálice de aguardente, da rija, uma vez que não há brigadas de trânsito por onde circulam as vassouras.
ALTERNATIVA. Tal como acontece na tauromaquia, em que o toureiro, bandarilheiro ou cavaleiro, são investidos nas respectivas categorias, as bruxas também recebem a sua investidura; não em estoques, bandarilhas ou farpas, mas porventura em varinhas, alhos porros ou vassouras voadoras, à moda antiga.
Cabe ao diabo, arrogante e paternalista como é, a espadeirada que outorga o diploma à neófita em final de curso. Nessa gala, que fará lembrar a investidura de irmãos em capítulo de confraria, o fulgor da cerimónia acaba em agonia moral, abrindo-se entre o bode e as fêmeas as núpcias de uma bacanal, das fortes.
ANIMAIS. Um certo homem encontrou uma mulher montada num burro ao contrário e com muitas galinhas à volta, que logo se transformaram em duas lindas mulheres; mal ele se benzeu com a admiração, tudo desapareceu.
Por vezes, as bruxas aparecem nas encruzilhadas com a forma de uma porca que se faz acompanhar de leitões de cor escura. O efeito para um mortal num encontro imediato de grau xis como aquele, não consta sequer do manual de instruções.
ANTÍDOTOS. Parece mentira, mas um rosário de alhos parece ser eficaz como antídoto contra os malefícios da bruxaria. Também se julga com idêntico êxito um ramo de alecrim e arruda, uma tesoura aberta, um chinelo velho ou uma meia calçada do avesso. Quem quiser complicar a receita, poderá juntar num saquinho algumas pitadas de rudo macho, espargo, mirra e mostarda. Simplificará se o conteúdo passar apenas com umas pedras de sal.
Com toda a humildade, não asseguro a eficácia. Uma ferradura atrás da porta, na grelha do automóvel ou na barra cama, parece ser o antídoto indicado para afugentar o bruxedo e quem o pratica, mas poderá fazer-se uma figa com os dedos indicador e médio à falta de um adereço mais apreciável, que é o signo-saimão (signo-salomão). Deixo um aviso, caso queiram servir-se dos dedos da mão: nada de esticar o médio e encolher ao mesmo tempo o indicador e o anelar.
Não encontrei qualquer referência alusiva à eficácia se a sogra estiver por perto. A sogra ou um fiscal das finanças, bem entendido.
     ARRUDA. Mais conhecida é a Arruda dos Vinhos, vila portuguesa do distrito de Lisboa. Porém, como este trabalho não é de âmbito corográfico, a arruda que aqui se traz é considerada das ervas mais poderosas para combater inveja e olho-gordo. A superstição receita: um galho de arruda junto ao corpo ou na cozinha, calha para reter as energias negativas. As folhas secas servem para preparar um chá bem forte e com ele lavar o chão da cozinha, pelo menos uma vez por semana, para proteger a cozinha, a casa e deixar o chão lavado, do género lava-tudo, que sai na publicidade como lava e encera, ainda com o benefício das fragrâncias não alergénicas, sem fosfonatos e formaldeídos.