sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

ENCICLOPÉDIAS ALEGRES (2) BRUXAS


BABOSA. É a planta que nos chega com o rótulo de aloé vera. Dizem os entendidos no assunto que dá sorte, amor e protecção, afinal os três ingredientes que toda a gente deseja, se olvidar o da pedra filosofal e o acertar todos os números do euromilhões. Possui efeito sobre energias negativas, principalmente inveja e mau olhado.
Uma outra característica menos metafísica é a de ser eficaz contra acidentes domésticos, especialmente na cozinha, protegendo das queimaduras, cortes ou tombos. Para além disso, segundo a química, fortalece o couro cabeludo – não sei até se restitui o cabelo perdido, mas a caspa foge dela como o diabo da Cruz - e em creme vende-se para prevenir rugas e combater as peles flácidas e secas.
Como dizem os entendidos que faz crescer o cabelo com muita rapidez, é muito recomendada pelos barbeiros e cabeleireiros, que vêem na planta um poderoso aliado.
Não confundir com o vocábulo de género contrário, o baboso, de que os espanhóis têm um significado assim explicado: “ hombre que resulta molesto e impertinente cuando intenta agradar a una mujer”.
BARULHO. Fazer chinfrineira com tachos e panelas, tem servido para espantar os malefícios do ano que finda e impedindo que entrem no novo. À falta destes apetrechos (principalmente dos tachos, que estão todos tomados), serve uma discoteca de quizomba ou uma sessão de bateria e guitarra-baixo de uma banda liceal.
BELEZA. Salvo raras excepções, nunca vi a reprodução de uma bruxa com base no modelo de rosto de uma Amanda Seyfried, Nicole Kidman, Angelina Jolie, Avril Lavigne ou Beyoncé, para só citar algumas das que são consideradas, na altura em que faço esta enciclopédia, das vinte mais belas do mundo. Até o circunspecto Goya deu em pintar umas megeras narigudas, pelos no queixo e algumas verrugas pouco cuidadas (a simetria destas, agora em moda, paga-se a peso de ouro nos esteticistas).
Pintar o belo é difícil, mas o feio e deformado está ao alcance de qualquer um. Como exemplo, é a capa que fiz para este trabalho, elaborada em menos de uma hora.
O certo é que todos nós, pelo menos uma vez na vida, teremos dito de alguém esta depreciação de mau gosto: “parece uma bruxa” ou “é feia como uma Bruxa”.
BENZEDEIRA. Torna-se o assunto de conversas de serões e soalheiro – pelo menos, no tempo em que não havia novelas televisivas a todas as horas do dia – saber quem é quem no mundo do bruxedo. As benzedeiras toda a gente as conhece, assim como algumas bruxas que têm blogs, sites, twitter, linkedin e facebook.
As benzedeiras encarregam-se dos tratamentos do mau-olhado que atacam os garotos, talham os “ares”, endireitam espinhelas caídas, cortam sarampos e zagres, varrem malefícios e invejas. Estas mulheres, que também são chamadas “corpo aberto” e “santinhas”, têm como utensílios rudimentares e pataqueiros, facas e tesouras (para talharem os ditos “ares”), águas bentas, ramos de alecrim e azeite puro de oliva (o que vem sendo raro como ingrediente porque a pureza é escassa), beladona, meimendro e mandrágora.
Infelizmente, para comporem os magros réditos da profissão, não se incumbem do preenchimento de declarações de IRS (“benzidas” por outras artes), o que lhes garantiria clientela extra.
Enfim, as benzedeiras não passam de mulheres simples.
BOLSA. Quando o negócio era rentável, havia sempre uma bolsa onde se guardavam os cobres. Hoje já não é bem assim. Segundo os cânones do dinheiro e da finança, a bolsa passou a ser de valores (ou seja, quanto menos valores morais, mais valem), constituindo um mercado que gere acções e outros valores mobiliários.
Visto isto, não faltam às bruxas acções (a maior parte, más, mas também grande parte, boas), pelo que, reunidas em sociedade anónima desde os tempos da Inquisição, constituíram uma bolsa, a BVB (Bolsa de Valores Bruxúlicos) que, por decoro, não emparceira com o NASDAQ, o CAC, o MICEX, o NYSE ou o PSI20. 
Perguntarão muito justamente por que razão não consta a “irmandade” financeira nas 30 maiores cotações do índice Dow Jones Industrial Average ou das famigeradas avaliações do Standard & Poor’s. Há uma razão muito simples: não sendo a actividade devidamente reconhecida pela fiscalidade internacional – constituindo os seus lucros uma espécie de fruto de qualquer paraíso fiscal – os editores do jornal financeiro norte-americano The Wall Street Journal, passam pelas acções da BVB e particularmente sobre este segmento de mercado, como cães por vinha vindimada. 
BOLSOS. Não se deve fazer a passagem de ano com bolsos vazios, mesmo que tenha sido esbulhado pelos mesmos sugadores ao longo do ano e independentemente dos cortes no subsídio de Natal. Lembrem-se que até a mendicidade, neste País, paga imposto e que o mínimo tilintar nos bolsos desperta a curiosidade da Autoridade Tributária e Aduaneira.
BURROS. Para além das vassouras, as bruxas usam os burros como meio de transporte, só que preferem montar ao contrário, com as costas viradas para a cabeça do animal. Deverão ter a mesma sensação que se desfruta quando se viaja de comboio na última composição e se vê a paisagem a afastar-se.
Quando alguém passa descalço por um sítio onde um burro se tenha espojado, deve cuspir para que as bruxas não o incomodem.

4 comentários:

  1. Caro Sr. Santos Costa,
    O meu nome é Artur Oliveira e sou um dos colaboradores do projecto 'As Rapinas Nocturnas na Cultura Popular Portuguesa'.

    http://rapinasnocturnas.blogspot.pt/2015/08/colabore-neste-projecto-as-rapinas.html

    Desta forma, o meu contacto prende-se com o seguinte: foi-me transmitida a informação de que "o topónimo Valdujo tem origem na localização do povoado, num vale, e a «ujo», espécie de rapina nocturna também conhecido por bufo ou corujão".

    Ao realizar uma breve pesquisa na internet, tive oportunidade de visitar o seu blogue (Valdujo, Trancoso), onde não me foi possível confirmar esta informação, mas onde encontrei uma mensagem, relativa ao lançamento de um livro sobre Valdujo, acompanhada por uma foto de um bufo-real. Gostaria então de perguntar-lhe se tem conhecimento que a informação que me deram, sobre a origem do nome, está correcta. E, nesse caso, se me pode indicar, por favor, a fonte consultada, com a finalidade de nós a podermos consultar e, posteriormente, citar.
    Deixo-lhe o nosso email, caso prefira responder por esse meio.

    Os meus melhores cumprimentos.
    Artur Oliveira

    rapinasnocturnas@gmail.com

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    1. Caro Sr. Artur Oliveira

      O topónimo Valdujo é, de entre muitos que têm na sua aglutinação espécies ornitológicas, aquele que mais se enquadra e corresponde ao lugar. Trata-se efectivamente de um povoado, repartido por três povoações (daí o topónimo genérico), que se situa num vale e que, até há alguns anos atrás, era um refúgio dos bufos reais ou ujos.
      Num documento de 1219 encontra-se grafado Valle Hujio, naturalmente porque já era território desta ave rapace (bubo bubo).
      Posso garantir-lhe que muitas noites a ouvi na sua melopeia monótina e cronometrada quando ali passava alguns dias.
      A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira também refere - salvo erro- esta origem toponímica.

      Cumprimentos

      Santos Costa

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  2. Caro Sr. Santos Costa,

    Muito obrigado pela pronta resposta. Aproveitamos para lhe perguntar se podemos citar este seu testemunho da seguinte forma:

    "O topónimo Valdujo é, de entre muitos que têm na sua aglutinação espécies ornitológicas, aquele que mais se enquadra e corresponde ao lugar. Trata-se efectivamente de um povoado, repartido por três povoações (daí o topónimo genérico), que se situa num vale e que, até há alguns anos atrás, era um refúgio dos bufos-reais ou ujos.

    Num documento de 1219 encontra-se grafado Valle Hujio, naturalmente porque já era território desta ave rapace (Bubo bubo).

    Posso garantir-lhe que muitas noites a ouvi na sua melopeia monótina e cronometrada quando ali passava alguns dias."

    Teremos muito gosto em enviar-lhe esta nossa recolha, assim que esteja concluída. Agradecemos que nos envie um contacto (para: rapinasnocturnas@gmail.com) para que o possamos fazer.

    Mais uma vez, muito obrigado pela atenção tida.

    Cumprimentos,
    Artur Oliveira

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  3. Caro Artur Oliveira

    É claro que pode citar o que entender.
    Realmente, é na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, volume 33, página 761, 1ª coluna que se argumenta sobre o topónimo, confirmando o termo ujo e a sua ligação à ave, esta que é, entre todas, a mais linda.
    De qualquer forma, irei contactá-lo por e-mail

    Abraço

    Santos Costa

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